Sem alarde, a medida provisória (MP) que estabelece o “Emprego Verde e Amarelo” — criando uma nova modalidade de contratação para jovens entre 18 e 29 anos, com menos direitos — apresenta também uma série de alterações na legislação trabalhista para todas as categorias. Advogados e especialistas divergem sobre os benefícios e a eficácia das propostas, mas concordam que trata-se de uma minirreforma trabalhista.
No pacote, o governo federal muda regras para fiscalização de empresas, aplicação de multas, participação nos lucros e resultados, jornadas de trabalho e registros profissionais. Além disso, institui a cobrança de alíquota de INSS para todos os trabalhadores do país que recebem seguro-desemprego, com alíquota de 7,5% a 14%, permitindo que este tempo seja contato para fins de aposentadoria. A ideia é que essa cobrança entre em vigor em março de 2020.
Para especialistas, a taxação do seguro-desemprego significa a criação de um novo tributo para o trabalhador. A medida foi adotada para compensar a desoneração oferecida aos empresários, de 34%. Para contratarem jovens de 18 a 29 anos, os patrões ganharão o direito de não recolherem a alíquota patronal para o INSS (de 20%), o salário-educação e a contribuição para o Sistema S (Sesi, Senac, Senai…). Isso vai gerar uma perda de R$ 10 bilhões ao governo. A taxação do seguro-desemprego, então, servirá para compensar essa perda, com arrecadação de R$ 12 bilhões (ou seja, R$ 2 bilhões a mais).
A medida provisória já está em vigor, mas ainda passará pela avaliação do Congresso Nacional para virar lei.
Seguro-desemprego
Para compensar a desoneração dos empregadores que aderirem ao programa do “Emprego Verde e Amarelo”, o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, anunciou que passará a ser cobrada do trabalhador uma contribuição previdenciária sobre o seguro-desemprego, que hoje é isento. Como o pagamento deste benefício ao trabalhador dura de três a cinco meses, esse período passará a contar como tempo de contribuição previdenciária para fins de concessão de benefício. Essa cobrança entrará em vigor a partir de março de 2020.
De acordo com o Ministério da Economia, a contribuição será a mesma dos trabalhadores que estão empregados, segundo as novas regras previstas na reforma da Previdência, que foi promulgada nesta terça-feira (dia 12). Ou seja, as alíquotas serão de 7,5% a 14%, de acordo com a faixa salarial. Se já estivesse em vigor hoje, como o teto do seguro-desemprego atualmente é de R$ 1.735,29, na prática, a alíquota máxima descontada seria de 8,14%.
A medida ainda dá a outros bancos a possibilidade de pagarem o seguro-desemprego e o abono salarial do PIS/Pasep, o que hoje cabe apenas à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil. Paulo Sérgio João, professor de direito do Trabalho da FGV Direito SP, criticou a medida e afirmou que a esta descaracteriza o caráter do seguro-desemprego. Para ele, a proposta significa a criação de novo tributo, onerando o trabalhador que está mais vulnerável: “É a criação de um novo imposto do ponto de vista tributário. Acham que é uma vantagem estar sem emprego e receber um seguro, e que tem que tributar. É uma impropriedade avançar sobre essa benefício na busca de uma receita. É uma descaracterização”, afirmou o professor.
FGTS
A nova modalidade de contratação de jovens, criada pelo pacote “Verde e Amarelo”, prevê que o valor da multa rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) possa ser reduzido de 40% para 20%. Se houver acordo entre o empregador e empregado, o trabalhador poderá receber a indenização sobre a multa do FGTS em parcelas, de forma antecipada, todo mês ou a cada período inferior a 30 dias. Esse valor parcial também será pago juntamente com o salário, o 13º, as férias e o abono de um terço proporcionais.
Em caso de desligamento do empregado, essa indenização antecipada não precisará ser devolvida pelo trabalhador, ainda que ele tenha pedido demissão ou tenha sido demitido por justa causa, o que normalmente não daria direito a esse pagamento. Além disso, segundo a nova modalidade de contrato do pacote “Verde e Amarelo”, a contribuição mensal de FGTS feita pelo empregador em nome do funcionário será de 2% — e não mais de 8%, como nos contratos convencionais —, independentemente do valor da remuneração e de a multa rescisória ser de 20% ou 40%.
Para Vantuil Abdala, ex-presidente do TST, a redução da multa de 40% sobre o valor de depósitos do FGTS era uma demanda antiga dos empregadores. “Quiseram reduzir o valor da multa para os empregados na contratação “Verde e Amarela”. Isso era um questionamento dos empresários que reclamavam muito da multa de 40%. Toda filosofia do plano é reduzir os custos da contratação, e entre esses custos está a multa de FGTS de 40% para 20%”, explicou Vantuil.
Registro profissional
A medida provisória que cria o “Emprego Verde e Amarelo” desobriga o registro profissional nas Delegacias do Trabalho. A norma valerá para todas as profissões, com exceção dos casos previstos em ordens e conselhos de classe. Para advogados trabalhistas, a proposta resguarda algumas profissões como médicos, engenheiros e advogados, que têm entidades de classe com regimentos próprios, mas libera outras funções serem exercidas por profissionais sem registro.
Paulo Sérgio João, professor de Direito do Trabalho da FGV Direito SP, ficará a critério da empresa decidir se vai ou contratar um profissional sem registro para exercer determinadas funções. “São algumas profissões em que, historicamente, se discutia se deviam ou não estar registradas na Delegacia (do Trabalho) para seu exercício profissional, como é o caso de jornalistas e músicos. Agora, não precisa ter o registro para o exercício da profissão. Tem gente que acha que precisa ter, mas isso elimina uma burocracia e atende ao interesse da relação contratual”,avaliou o professor.
A presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), Rita Cortez, discorda. Para ela, a proposta está inserida em um contexto amplo de mudanças nas regras para fiscalização e aplicação de multas. Cortez pontua que a falta de registro profissional permite que pessoas sem qualificação possam exercer profissões. Abrir mão deste registro é abrir mão da observância e da fiscalização do trabalho por pessoas qualificadas. “É abrir mão das situações e das qualidades que justifiquem a contratação. Como a fiscalização vai definir se a norma (para o exercício da profissão) está sendo observada pelos empregadores?”, questionou a advogada.
Fiscalização e multas
Até agora, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecia multas que variavam caso a caso. Agora, a aplicação da multa passará a observar “o porte econômico do infrator”. No primeiro grupo de multas, serão aplicadas penalidades “per capita”, ou seja, pelo descumprimento de regras relativas a trabalhadores individualmente. Nesse caso, o valor vai variar entre mil reais e R$ 10 mil. O segundo grupo de multas será de infrações mais gerais, chamadas de “natureza variável”, que vão variar de mil reais a R$ 100 mil. Em todos os casos, as multas vai ser classificadas em infrações leves, médias, graves e gravíssimas.
O texto do governo também cria critérios para a dupla visita de um fiscal antes da aplicação da multa, de maneira a permitir que a primeira visita do agente ao estabelecimento não gere multa, mas advertência, oferecendo a possibilidade de regularização. A multa seria aplicada apenas após a segunda visita, caso a infração seja mantida. Aline Marques, sócia do escritório N. Tomaz Braga & Schuch Advogados, defende a possibilidade de a empresa se adequar às normas e cumprir a legislação antes de ser multada. Segundo ela, o processo administrativo de recurso da fiscalização do trabalho é muito rígido.
“Acho que é muito justa a nova forma de aplicação de multas. Os autos de infração que geram multas são emitidos sem que a empresa tenha a oportunidade de corrigir o motivo da autuação. O empregador só pode tentar recorrer no prazo de dez dias. O recurso administrativo é diferente do recurso judicial. Você só tem uma chance para tentar se justificar antes de receber uma multa, muitas vezes bastante pesada. A dupla visita tem um caráter educativo. Isso é uma demanda dos empregadores”, afirmou Aline.
O ex- presidente do TST Vantuil Abdala é mais cauteloso. Ele lembra que o próprio modelo de contratação de jovens com desoneração para as empresas tem uma série de regras e normas que precisam ser fiscalizadas para evitar abusos e substituição de mão de obra já empregada. “Temos uma ofensiva para mudar a fiscalização. Eu me questiono como vai funcionar na prática a fiscalização. Como se sabe, há sempre o mau empregador que quer se aproveitar da existência de uma norma legal para levar vantagens. Nós teremos mesmo uma fiscalização ofensiva para evitar as fraudes?”, questionou Abdala.
Luiz Migliora, professor da FGV Direito Rio, acredita que é importante melhorar o ambiente de negócios, mas pondera que não se pode abrir mão totalmente da fiscalização do trabalho. “Acho perigoso pela mensagem que está sendo passada aos empresários. O governo propõe flexibilizar a fiscalização. Acabou com Ministério do Trabalho. É uma mensagem ruim para os empresários de que “liberou geral”. Tem que ter cuidado com isso”, ressaltou Migliora.
Bancários
A medida provisória (MP) altera ainda a jornada de trabalho dos bancários, permitindo que as agências bancárias passem a abrir aos sábados, o que hoje não ocorre. Além disso, estabelece que apenas os caixas de bancos terão direito a jornada de trabalho de seis horas diárias. Qualquer outro cargo terá jornada normal, de oito horas por dia. Atualmente, todos os que trabalham em bancos têm jornada de trabalho de seis horas diárias (30 horas semanais). Mesmo para os caixas, a medida autoriza que seja pactuada uma jornada superior a seis horas, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
“Acredito que o governo decidiu fazer estas alterações pelo grande número de ações trabalhistas que tratam da jornada de trabalho dos bancários. Muitos entravam na Justiça alegando que sua jornada era estendida, porque a instituição bancária os classificava como funcionários exercendo cargos de confiança. Na prática, eles trabalhavam mais de seis horas”, esclareceu Vantuil Abdala, ex-presidente do TST.
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