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WILSON F. MENEZES : A UNIVERSIDADE BRASILEIRA: ERVA, PROMISCUIDADE E UNDERGROUD

Redação - 24/10/2019 07:00

O trabalho de Darcy Ribeiro em certa medida complementa a obra de Paulo Freire, com sua educação libertária através do conceito de pedagogia do oprimido tendo em vista um processo de inclusão social. Isso porque os projetos desses dois pensadores abraçam uma articulação entre a alfabetização,o ensino básico e o universitário para o conjunto do sistema educacional brasileiro. Em a Universidade Necessária (1969), Darcy aponta a viabilidade de formação de uma futura nação fazendo face “às forças do atraso”. A Universidade de Brasília já expressava grande parte dessa pretensa realização, em que uma mentalidade utópica comandou as ações para as gerações futuras, considerando que ciências deveriam dialogar entre elas mesmas para o bem do desenvolvimento científico nacional. Fazer Tabula Rasa do passado era a palavra de ordem, sem apego às formas herdadas que só conduzem ao desastre, daí a necessidade da crítica (palavra mágica) severa para com aqueles que não colimassem com os fins pretendidos.

Esses fins tipicamente desenvolvimentistas seriam alcançados por meio de políticas de Estado, as quais deveriam estar voltadas para o incentivo à ciência, ao avanço tecnológico e à industrialização.O êxito desse projeto certamente asseguraria a felicidade futura da nação Pindorama. Mas, como toda utopia, a promessa nunca se realiza, daí a necessidade de se encontrar um culpado. O bode expiatório, como não poderia deixar de ser, foi o famoso golpe militar de 1964, que frustrou de maneira violenta, através de expurgos, perseguições e exílios, esse sublime projeto que pretendia combinar o desenvolvimento econômico com a justiça social e a democracia política. Éramos inteligentes e sabíamos de nossas capacidades, mas os militares estavam no meio do caminho para roubar o desenrolar da cena. Que pena…

Ao pretender uma realização dependente de um novo intelectual, aquele que exerce forte indignação e grande poder de crítica em relação a nossa condição internacionalmente subalterna, Darcy buscou uma autonomia da consciência nacional que, por definição não pode existir, pelo menos no campo do conhecimento. Inspirado em Karl Mannheim, discípulo da Escola de Frankfurt, ele construiu seu conceito de intelectual missionário, numa tentativa de superar os interesses particulares de classe, substituindo-os por “valores universais”. Segundo esse autor, era preciso ultrapassar a visão de uma sociedade apenas vinculada às diferenças de classes, de maneira que as sociedades deveriam também ser analisadas em uma perspectiva das gerações, que resultam das experiências vividas na contemporaneidade. Essas gerações são vistas como formadas pelo meio social que se vive, a partir das relações que se estabelecem pelas diferenças entre os gêneros das pessoas, bem como pelas diferenças étnicas, faixas etárias, raciais e, sobretudo, pelas diferenças culturais, as quais resultam naturalmente das ações e expressões dos variados agrupamentos sociais.

Para Darcy, nas teorias da evolução cultural têm-se que as sociedades humanas, ao longo de grandes períodos de autotransformação, experimentam dois processos simultâneos e complementares: diversificação e homogeneização das culturas. Os passos evolutivos para essa autotransformação são representados por processos de renovação cultural que, uma vez alcançados e difundidos, acabam por alargar a capacidade humana de produzir e criar formas de organização crescentemente inclusivas e igualitárias.É, portanto, possível substituir o trabalho braçal pelo trabalho intelectual, de maneira que a força de trabalho venha a se tornar majoritariamente composta de pessoas com nível universitário, as quais se dedicarão às tarefas educacionais, assistenciais, culturais e recreativas. A maioria dos homens será doravante herdeira do patrimônio cultural humano, tornado agora comum e disponível ao conjunto da sociedade. A diversidade viria da criatividade artística e intelectual, agora apanágio de todas as pessoas, daí a ideia de homogeneização social. Que perfeição!

Ademais, não se pode esquecer que Darcy vivenciou a clandestinidade, o exílio e funções partidárias junto ao Partidão e PDT.Para ele, o intelectual missionário deveria exercer o papel de porta-voz, com seu dom, consciência moral e talento, para desvendar o enigma social em quase encontrava naquele momento a sociedade brasileira,tendo em vista a superação do atraso condenatório de toda a população. Nada mais próximo do gramscismo com a ideia de um intelectual orgânico com forte vínculo partidário. Pode-se, portanto, dizer que o conceito de intelectual de Darcy, sem nenhuma originalidade, mantém relação simultaneamente com Mannheime Gramsci. Nasceu então uma nova dicotomia, em que o intelectual missionário (geracional e orgânico) acabaria formando o Nós, enquanto os demais deveriam ser simplesmente banidos. Tal como ocorreu na famosa revolução cultural chinesa?Estava plantada a semente através da qual germinou a perversa problemática atual da universidade brasileira.Sem medo de cometer um sacrilégio, pode-se dizer que Darcy Ribeiro sabia tanto de universidade quanto Paulo Freire de alfabetização e ensino básico, ou seja, pas grande chose.

Na atualidade, a universidade brasileira, prima por um discurso e ações em prol da diversidade social, mas apenas usa da ideologização como catequese de um pensamento único. Seguindo os passos do que se passa nos centros acadêmicos da Europa, Estados Unidos e Canadá, encontra-se hoje nossa universidade dominada por duas grandes bandeiras: o politicamente correto e o partidarismo de toda e qualquer questão. O politicamente correto usa do ‘vitimismo’ como instrumento de “defesa” dos mais variados grupos de “marginalizados” sociais. Em nome da virtude implantou-se uma forte ditadura que usa e abusa do argumento de persuasão radical com uma moral dúbia e isenta de princípios, mas que se faz valer pela imposição de um ambiente dominado pela lei do silêncio daqueles que discordam, isso porque atualmente o segundo argumento é a intimidação física.

O partidarismo, por seu turno, leva a politização de tudo e de todos, no pior sentido do termo. Nada de currículo fixo, tudo é alternativo e crítico. Temas tais como “Gênese africana da física quântica”, “Geografia, uma disciplina machista pela exclusão da mulher” e “Qualificação: palavra secreta dos brancos”, fazem com que a ideia da triangulação da circunferência seja perfeitamente admissível numa grade curricular. Tudo passa a ser visto como efêmero, por definição mutável e passível de correção, logo nenhuma narrativa pode ser vista como perene e universalmente válida;pelo contrário,todas elas são simplesmente vistas como confusas e equivocadas. O certo e a verdade deixam de existir seja no campo da lógica, da linguagem, da aritmética ou mesmo dos hábitos e costumes sociais.Regras e métodos deixam de ser rigorosos, podendo ser alterados mesmo após o início do jogo, desde que sirvam ao objetivo partidário da engenharia social. Uma espécie de revolução permanente a la Trotsky foi implantada em praticamente todos os campi universitários do país. O currículo de um dado curso passou então a representar nada mais que um instrumento de luta, uma propaganda política ou uma doutrinação ideológica. Tudo é permitido, basta ser de gauche. Fica fora aquilo que for classificado como sendo reacionário, conservador, branco, masculino, racista, ocidental, elitista, excludente… Quem classifica? Ora bolas… quem se serve de tudo isso. Assim, nasceu e foi implementada a visão da Nova Esquerda na universidade brasileira. Hoje, não fica de fora nem mesmo as áreas quantitativas e técnicas.

As sucessivas gerações, desde os anos 60, apenas incorporaram à narrativa “visionária” de Darcy Ribeiro as obras de Foucault, Marcuse, Althusser, Adorno, Derrida, Lukácset caterva, resultando em uma universidade imbecilizada pelo advento das desconstruções, das diferenças, das performances e do quer, com apenas um objetivo subverter, desestabilizar e destruir a ordem social.A cultura passou a ser sinônimo de veneno mortíferona busca de uma desmoralização de toda sociedade para que se possa transformá-la, com o auxílio dos bêbados, cínicos e corruptos.O efeito foi devastador, pois tudo isso naturalmente culminou com a disseminação de um niilismo que a tudo nega, principalmente a honra, a moral e a ética. Na universidade, tudo passou a ser visto como ilusório e falso, soterrando toda e qualquer possibilidade para se chegar a uma verdade. Com Darcy, caminhávamos para a formação de uma Patrice Lumumba, mas chegamos com leve détour a uma Vincennes. Uma realização extraordinária, em que o professor ensina muito menos ao aluno que o aluno ao professor, ambos idiotizados. Tudo isso é muito lamentável, exatamente pelo charlatanismo e irracionalidade, mas o que importa é a “lealdade” ideológica e partidária, vinculada a desinformação e a vigarice, resultando na mentira de uma formação acadêmica e no despreparo intelectual dos estudantes. Isso sim é que é atraso. Deus meu, pensei que 1968 tinha morrido.

 

 

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