Cheguei em Ruy Barbosa, vindo de Saúde, onde nasci, em dezembro de 1944 em plena II Guerra Mundial com dois anos de idade. Em 1948, fiz minha primeira viagem para a Bahia (Baía?), assim se dizia quando se ia para Salvador. Peguei uma marinete que circulava entre Ruy e Itaíba, Distrito de Itaberaba, e de lá segui de trem para o Porto São Roque do Paraguaçu. De São Roque fui para Salvador no Vapor de Cachoeira, desembarcando na Rampa do Mercado Modelo. Eram dois dias de viagem. Depois as coisas melhoraram e quando me desloquei para a Capital, para estudar no Colégio Nossa Senhora da Vitória, dos Maristas, já existia estrada de rodagem de chão batido, havia uma linha de ônibus e o percurso de 321 km era feito em cerca de 12 horas.
O que mais me chamou atenção em Salvador, quando a conheci, foi a fartura de água nas torneiras e os fogões que não usavam lenha, seu combustível era o carvão vegetal. Nem o suprimento de energia elétrica contínuo durante todo o dia era mais importante para mim. O gás de refinaria (butano) só viria a ser usado após a partida da Refinaria de Mataripe, em 1950. Durante minha infância em Ruy Barbosa, antigo Orobó, só contávamos com um médico (Dr. Aminthas Brito) e um dentista (Dr. Arthur Sá). O casal Brasil Ramos (dentista) e Odete (médica), ainda não havia se mudado para lá. A única farmácia comercializava poucos medicamentos sintéticos (sulfamidas e penicilina).
O melhor curso primário se podia fazer no Grupo Escolar Carneiro Ribeiro, onde estudei de 1950 a 1953. Pouco se falava sobre o médico que emprestava seu nome à escola e nunca me contaram que Ernesto Carneiro Ribeiro fora professor de Ruy Barbosa, Castro Alves e Euclides da Cunha. Naquele tempo as comunicações andavam tão devagar que Otávio Mangabeira, que governou a Bahia de 1947 a 1951, autor de frases notáveis, dizia “que quando o mundo acabar, aqui na Bahia só se vai saber no dia seguinte”. Ele tinha uma certa razão, pois a reforma que instituiu o Cruzeiro como unidade monetária brasileira, com equivalência a um Mil-réis, e o Centavo, correspondente à centésima parte do Cruzeiro, foi decretada em 05.10.1942 e demorou de chegar aqui. Meu pai, Archimedes Oliveira, e dois amigos, Humberto Alencar e Hélio Araújo, foram ao Rio de Janeiro em 1950 para assistirem a Copa do Mundo de Futebol e voltaram contando, como grande novidade, que no Rio não se usava mais o Mil-réis e sim o Cruzeiro, apesar de passados quase oito anos da reforma.
Ninguém poderia imaginar que haveria tamanha revolução dos sistemas de transporte, das comunicações, da medicina, da educação, da informática, da fotografia, das conquistas espaciais e de inúmeras invenções que anexamos ao nosso cotidiano. O que nos deixa tristes é que, apesar de termos incorporado as mais modernas tecnologias, hoje com mais velocidade do que no tempo de Mangabeira, o sistema político que adotamos e as regras estabelecidas para nossa economia não foram capazes de proporcionar ambiente mais equitativo e continuamos com imensa desigualdade entre as pessoas, principalmentequando falamos em distribuição de renda e eliminação da pobreza. Podemos dizer que conseguimos atingir a mesma modernidade dos povos mais desenvolvidos, mas estamos longe de nos equipararmos a eles no que se refere ao desenvolvimento social.
O que reforça nossa esperança é que a maioria dessas mudanças contribua para o progresso, embora parte delasimprimam o atraso por terem sido feitas em prol de interesses pessoais ao invés do de valorescoletivos. Mesmo assim estamos avançando ao termos lutado pelas reformas de base no tempo de Jango e de cuidarmos agora das reformas da previdência, do sistema tributário, do sistema político, das regras trabalhistas e da adoção de medidas que tragam melhorias no campo da saúde, da educação, da segurança e da proteção ambiental. Creio que tudo pode melhorar, principalmente se o fortalecimento da economia trouxer aperfeiçoamentos no campo social.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor – [email protected]