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ERICK FIGUEIREDO: OS EFEITOS “LATERAIS”DA ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA

Redação - 26/09/2019 11:28

O final da década de 1980 é reconhecido como um dos períodos mais conturbados para a economia brasileira. Nessa época, a pauta diária envolvia recessão, hiperinflação e instabilidade política. Programas econômicos, em especial, os voltados para a estabilização do nível de preços, pareciam não funcionar e temas como educação e desenvolvimento humano não possuíam espaço no debate público. Em suma, uma geração inteira teve que conviver com a incerteza sobre o seu próprio futuro. Contudo, no meio desse cenário desolador, florescia uma medida positiva. Após mais de 100 anos de protecionismo, a economia nacional dava sinais de se abrir para o comércio internacional. O primeiro passo foi brusco e envolveu a redução das barreiras comerciais a partir de uma diminuição unilateral nas tarifas de importação. Para se ter uma idéia, registrou-se uma queda tarifária média em torno de 50% entre 1990 e 1995. Praticamente todos os setores da economia foram atingidos, à exceção da agricultura. Em outras palavras, tornou-se mais barato adquirir produtos fabricados no exterior.

Nos livros-texto, o processo de abertura gera impactos positivos e imediatos. Como em um passe de mágica, o aumento do comércio, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a redução no nível de preços conduzem a ganhos de bem-estar social. Porém, o mundo real não funciona dessa forma. Os ganhos do comércio carecem de um período de transição, um espaço de tempo no qual as variáveis econômicas interagem com as imperfeições de mercado. No caso brasileiro, a abertura atingiu mais fortemente as regiões mais industrializadas. As empresas locais tiveram que lidar com a maior concorrência, um menor poder de mercado e menor lucro. Como consequência, a industria passou a empregar menos e pagar menores salários. A informalidade cresceu como uma resposta ao elevado desemprego e uma série de efeitos menos óbvios começam a surgir em decorrência da deterioração no mercado de trabalho. Um dos mais interessantes foi o aumento no crime. Em poucas palavras, o desemprego estimulou um crescimento de médio prazo nos índices de assassinatos nas regiões mais atingidas pela abertura, a maioria delas no eixo Sul-Sudeste. Pessoas que vivenciaram esse período recordam das altas taxas de criminalidade em São Paulo. Esses efeitos foram recentemente documentados por um grupo de pesquisadores brasileiros [Economic Shocks and Crime: Evidence From The Brazilian Trade Liberalization. Rafael Dix-Carneiro, Rodrigo Soares e Gabriel Ulyssea, American Economic Journal: Applied Economics, Vol. 10 No. 4 (2018)]. Contudo, eles podem não ser os únicos. É possível que a abertura também tenha afetado a fertilidade, divórcios, trabalho infantil e “migração do crime” para a região Nordeste em um segundo momento [todas essas relações são temas de minha pesquisa junto com o professor Luiz Renato Lima].

 A complexidade dessas relações nos leva a concluir duas coisas. As decisões econômicas possuem efeitos diversos e; o conhecimento pleno dos possíveis efeitos colaterais são essenciais para os formuladores de política pública. Vejamos um exemplo, se um formulador de política antevisse os efeitos da abertura sobre o crime, ele poderia tomar medidas preventivas e suavizar esse efeito. Isso pouparia recursos monetário e, o mais importante, uma série de vidas humanas. Ademais, dado que o governo atual esta ensaiando uma série de acordos bilaterais, seria primordial entendermos os efeitos “laterais” da abertura para, só então, comemorar os possíveis efeitos positivos sobre a macroeconomia. Deixemos, por um instante, o “globalismo” de lado. É urgente entender os efeitos da globalização sobre a vida das pessoas.

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