No início da década de 1960, uma equipe de pesquisadores, liderada pelo psicólogo David Weikart, deu início a um projeto visionário envolvendo crianças matriculadas na Perry ElementarySchool da cidade Ypsilanti, Michigan, Estados Unidos. Contando com o apoio irrestrito do diretor da escola, os pesquisadores identificaram um grupo de crianças com elevado nível de risco social. Ou seja, aquelas pertencentes as camadas mais pobres da população, vivendo em áreas violentas, com pais desempregados e/ou envolvidos com o crime. Essas crianças foram divididas, aleatoriamente, em dois grupos. A idéia era criar um ambiente experimental similar ao que é feito em estudos de biomedicina, onde parte dos pacientes recebem o remédio, a outra parte recebem o placebo (remédio falso). Dessa forma, definiram-se os grupos de tratamento, ou seja, aqueles que seriam beneficiados com uma determinada políticae outro de controle, isto é, as crianças que não seriam expostas a qualquer tipo de intervenção.
As políticas adotadas consistiam em fornecer um curso de alta qualidade para crianças entre 3 e 4 anos. Em resumo, além das atividades normais da escola, as crianças receberiam aulas diárias de 2 horas e meia de duração durante 2 anos. As aulas eram ministradas por professores com nível superior e focavam, essencialmente, no desenvolvimento cognitivo das crianças, isto é: criatividade, linguagem, relações sociais, música etc. Ademais, devido ao baixo número de crianças por professor, tornou-se possível uma visita semanal dos tutores aos lares dessas crianças. Com isso foi possível desenvolver uma maior proximidade com as famílias, promovendo uma melhoria no ambiente familiar e a discussão das melhores práticas adotadas fora da escolar. Após esse período, os pesquisadores passaram a visitar as famílias para colher dados durante os anos seguintes, até a idade adulta. Os primeiros participantes do programa têm, nos dias atuais, mais de 50 anos de idade. (Detalhes sobre o projeto podem ser encontrados aqui: https://highscope.org/perry-preschool-project/).
Os resultados obtidos pelo programa foram extraordinários. Quando comparados com os colegas que não tiveram acesso ao programa (grupo de controle), os participantes apresentaram: menor incidência de gravidez na adolescência; menores taxas de criminalidade; maiores taxas de aprovação na universidade; maiores salários no mercado de trabalho; melhores condições de vida (posses como casa, carros,etc). Para se ter uma idéia, cerda de 77% dos participantes concluíram o ensino superior. Em resumo, pode-se inferir que uma simples intervenção nos anos iniciais das vidas das crianças foi capaz de alterar toda a trajetória de suas vidas. E os resultados não pararam por aí. Em um artigo recente, o prêmio Nobel de economia James Heckman e o professor da Universidade de Chicago, GaneshKarapakula, mensuram os efeitos de longo-prazo do Perry Preschool Project (acesso AQUI: https://www.nber.org/papers/w25889.pdf). Os pesquisadores mensuraram os impactos intergeracionais do projeto, ou seja, sobre os filhos e sobrinhos dos participantes. A questão da pesquisa é: se educação foi capaz de transformar a vida dos participantes do projeto, os valores aprendidos foram repassados para as gerações futuras? A resposta foi sim. E mais, esse resultado se sustenta mesmo quando a família vive em bairros com estrutura precária e elevados índices de criminalidade. Ou seja, a estrutura familiar é mais importante para o desenvolvimento das crianças do que o meio onde elas vivem.
Em suma, os resultados do Perry School Project são claros e fáceis de serem entendidos. Uma intervenção simples e barata nos primeiros anos escolares de uma criança transforma não só a sua vida, como a dos membros de sua família, incluindo as gerações futuras (filhos e sobrinhos). Notem, não foi necessário nenhum projeto mirabolante. Nenhuma política de elevado custo. Nenhuma expansão universitária. Sóeducação de qualidade na pré-escola. Nesse sentido, a política educacional de base, que no Brasil é gerida pelas prefeituras, torna-se a chave para a superação do subdesenvolvimento. Portanto, procure o prefeito de sua cidade. O convença da importância de deixar de lado gastos supérfluos como festejos juninos, carnaval, atração de indústrias, consolidação de pólos produtivos, arranjos produtivos locais, entre outros. Exija o investimento em educação básica. As crianças de hoje e de amanhã serão gratas.