Eu frequentava o curso de graduação na UFBA quando eclodiu o movimento militar de 31 de março de 1964. As primeiras informações chegaram pelo rádio quando eu estava com outros estudantes no restaurante no Corredor da Vitória ouvindo o noticiário. O serviço de som foi ligado e os oradores se sucediam condenado um possível golpe militar, ainda não bem claro. Antes da meia noite, quando só estavam no sitio os residentes da R1, os militares do exército invadiram o local e prenderam todos, sem exceção, levando-os para o 19BC no Cabula. Neste momento eu tinha me deslocado para a R2, no Largo da Vitoria, onde residia. Fui avisado pelos colegas moradores das repúblicas de estudantes próximas. Todos corremos e não esperamos a chegada dos militares, felizmente.
Dai em diante foram dias e mais dias, semanas e mais semanas horríveis. Não podíamos nos reunir com amigos e colegas em lugares públicos. Aparecia logo um militar armado com um fuzil ordenando: circulando, circulando, circulando. Éramos vigiados em todos os lugares e andávamos sempre sobressaltados. Foi difícil concluir o curso de graduação e o primeiro emprego foi obtido após ser submetido a duras investigações sobre a vida pessoal. Quem viveu naquele tempo valorizou muito o restabelecimento da democracia e o estado de direito conquistado 21 anos depois.
Atualmente, quando assisto às manifestações populares de grupos, organizados ou não, defendendo seus privilégios e chamando atenção para o que acham certo e condenando ações do governo que lhes tiram direitos, sinto-me reconfortado por viver momentos de liberdade. Contudo, não sinto o mesmo fascínio quando vejo alguns poucos, por suposta defesa de seus interesses, invadirem o que é de posse de outros. Lembro-me dos apavorantes tempos duros da ditadura militar.
Hoje (13/04) fui entrevistado por uma jornalista que queria saber qual o prejuízo sofrido pelos comerciantes de Salvador quando as vias públicas da região do Iguatemi foram bloqueadas por pequenos grupos de manifestantes que pararam grande parte da metrópole. Respondi que isso era de pouca relevância diante dos transtornos provocados na vida da cidade. Não só os lojistas deixaram de ser visitados por potenciais consumidores, mas também muitas crianças não puderam chegar às escolas no horário das aulas e não retornaram para suas casas como de costume. Os enfermos que buscavam laboratórios, clínicas médicas e hospitais, em busca de cuidados médicos para seus problemas de saúde, bem como as pessoas que iam aos estabelecimentos bancários solucionar suas obrigações financeiras, ou as pessoas que se dirigiam às repartições públicas ou escritórios das empresas, foram também afetadas, sem terem nada a ver com os problemas que motivavam as manifestações.
Para que os diferentes grupos sejam ouvidos em suas proclamações eles não precisam cercear a liberdade dos outros, não necessitam lhes tirar o direito da mobilidade, não carecem de estabelecer um ambiente de repressão semelhante aos dos tempos da tirania. Cabe aos poderes públicos estabelecer os locais para as manifestações, as faixas das vias públicas que podem ser usadas sem bloqueio irrestrito dos movimentos urbanos, sem fechamento total das ruas, avenidas e praças. O direito às manifestações não significa assunção de poder para prejudicar os habitantes da cidade, principalmente, os idosos, crianças e doentes.
Foi pensando assim, por prezar o livre-arbítrio, por ter vivido na minha juventude os tempos duros de uma autocracia, por ser contra ações de grupos políticos que querem impor seus pensamentos e estabelecer suas regras de conduta limitando o livre-pensar dos outros, que assinei ontem o “Manifesto do Setor Produtivo Baiano” condenando as ações paralisantes de Salvador. Injustificadamente os manifestantes prejudicaram aqueles que procuravam levar uma vida normal e buscavam sustento no trabalho e nos afazeres da vida em liberdade. Usufruir do direito de ir e vir é conquista dos brasileiros.
Adary Oliveira
Presidente da Associação Comercial da Bahia