

A recente mudança na NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1), instituída pela Portaria nº 1.419/2024 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que obriga as empresas brasileiras a realizarem avaliações de riscos psicossociais em seus ambientes de trabalho, apresenta graves lacunas. As advogadas Cyntia Possídio e Marina Pimentel alertam que, embora a norma represente um avanço no debate sobre saúde mental corporativa, a ausência de parâmetros técnicos e diretrizes claras dificulta sua aplicação prática e gera insegurança jurídica e emocional para empregadores e trabalhadores.
A saúde mental dos trabalhadores brasileiros vive um momento crítico. Os índices de sofrimento psíquico subiram 62% em quatro anos e já estão piores do que durante o período da pandemia, reflexo do estresse organizacional, da sobrecarga e das pressões corporativas. Somente em 2024, o país registrou mais de 471 mil afastamentos por transtornos mentais e comportamentais, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Em 2020, ano de início da pandemia da Covid-19, foram 289.697 afastamentos, o que representa um crescimento de 62%. Os números foram levantados pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, coordenado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Norma é avanço, mas peca pela falta de parâmetros técnicos. O texto não define quem deve realizar a avaliação, nem quais métodos ou critérios devem ser utilizados. Isso gera insegurança tanto para o empregador quanto para o trabalhador”, explica Cyntia Possídio, sócia do Castro Oliveira Advogados. Ela ressalta que a ausência de diretrizes pode tornar complexo o cumprimento da lei para empresas de pequeno e médio porte, que muitas vezes não têm estrutura interna para lidar com o tema.
“Sem uma regulamentação complementar, há risco de interpretações divergentes e até de penalidades injustas. Por isso, orientamos que as empresas busquem assessorias jurídicas e psicológicas especializadas, capazes de aplicar boas práticas internacionais adaptadas à realidade brasileira”, complementa a advogada.
Necessária a criação de parâmetros mínimos
A advogada Marina Pimentel, também especialista em Direito do Trabalho, reforça a importância de análises individualizadas para cada setor econômico. “Não é possível aplicar um modelo único para todos os segmentos. Os riscos psicossociais variam conforme a atividade. Na construção civil, por exemplo, há fatores como o uso de substâncias e exaustão física; já em áreas administrativas, o estresse e a pressão por resultados são os principais gatilhos”, observa.
Para Marina, a melhor resposta imediata é a criação de protocolos internos personalizados, com apoio técnico e diálogo entre empregadores, sindicatos, psicólogos e os próprios trabalhadores. “A efetividade da avaliação de riscos psicossociais depende da escuta ativa dos colaboradores. Eles conhecem as dores e tensões do ambiente de trabalho. A norma só terá impacto real se o trabalhador for protagonista do processo”, conclui.
As especialistas defendem ainda que o MTE edite uma Instrução Normativa Complementar, definindo parâmetros mínimos, como metodologias, periodicidade, composição das equipes e instrumentos de medição, de modo a garantir segurança jurídica e efetividade à nova política.



