A capital baiana se transformou no centro das discussões sobre o futuro da produção de alimentos e da justiça alimentar. Entre os dias 14 e 16 de outubro, a Cúpula Global para uma Transição Agrícola Justa (JAT Summit) reuniu, em Salvador, representantes de países da África, Ásia, América Latina e Europa, com o objetivo de promover o diálogo internacional e fortalecer ações voltadas para uma agricultura que regenere os ecossistemas, valorize saberes tradicionais e garanta segurança e soberania alimentar.
Durante a programação na capital, foram tratadas questões essenciais da transição agrícola justa, como a redução do uso de agrotóxicos, o acesso equitativo à terra, a valorização dos conhecimentos tradicionais e o papel das mulheres nos sistemas alimentares. Sessões de aprendizado e troca de experiências abordaram práticas agrícolas adaptadas às mudanças climáticas, economias alimentares solidárias e modelos cooperativos de produção e consumo. A agenda em Salvador incluiu ainda visitas a comunidades agroecológicas, como o Quilombo Cordoaria, o quintal medicinal do grupo de mulheres do Calafate, comunidade periférica da capital, além de vivência na Lagoa do Abaeté.
Na sexta-feira (17), enquanto parte do grupo ficou em Salvador para discutir o uso de venenos e agrotóxicos, 19 participantes da Cúpula seguiram para o município de Pintadas, no semiárido baiano, referência em experiências de associativismo, soberania alimentar e economia solidária. A visita incluiu projetos de boas práticas locais que vêm garantindo geração de renda, preservação ambiental e fortalecimento comunitário. Entre os projetos visitados estava a Cooperativa Ser do Sertão, que presta assistência técnica a cerca de 1.080 famílias na produção de leite, hortaliças, frutíferas e cordeiro. Um dos destaques é a fábrica de polpas de frutas, que está em processo de ampliação, com diferencial por ser 100% natural, sem aditivos ou água.
A equatoriana Yolanda Guamán, participante da delegação, destacou a força das experiências locais. Ela relatou viver em um país marcado por crises, e que ver iniciativas que garantem alimentação e emprego para as próximas gerações leva esperança e inspiração para ser replicada em seu território. Hilda Rosalia Mas Macz de Balcarsel, da Guatemala, fez questão de conhecer de perto o time de futebol feminino de Pintadas e ressaltou a potência de um lugar historicamente impactado pela escassez de água que transformou união em aprendizado em dezenas de projetos comunitários.
Os participantes também conheceram o Restaurante Delícias do Sertão, administrado exclusivamente por mulheres integrantes da Rede Pintadas, organização que atua em 15 municípios que formam o território da Bacia do Jacuípe. As atividades permitiram intercâmbio sobre sistemas alimentares, conhecimentos ancestrais, economia solidária e estratégias coletivas de influência. Neia Bastos, uma das lideranças do movimento local, ressaltou: “A Rede se une nos fios. A Rede Pintadas é entrelaçada na nossa razão de existir. Nossas lutas se unem a todas as lutas da África, Ásia e América Latina”. No sábado (18), o grupo foi acolhido pelas crianças e jovens do projeto musical Renascer, coordenado pela Associação Cultural e Beneficente Padre Ricardo. A delegação se encantou com o ritmo da percussão e encerrou a visita na sede da Rede Pintadas.
De junho a setembro de 2025, a Huairou Commission e a Oxfam Novib, organizações internacionais que atuam em parceria com foco em desenvolvimento sustentável, combate à pobreza e fortalecimento de comunidades vulneráveis, coordenaram uma série de sessões de diálogo lideradas por mulheres. Esses webinars reuniram mulheres rurais, líderes indígenas, ativistas alimentares, pesquisadores e organizadores comunitários de todo o mundo para discutir áreas críticas de transformação no sistema alimentar: desde direitos à terra e agroecologia até o banimento de agrotóxicos, passando pela adoção de sistemas de conhecimento indígenas e adaptação às mudanças climáticas. Glenn DolceMascolo, diretor de programas da Huairou Commission, destacou que não tinha ideia da profundidade das ações até chegar a Pintadas. “Aqui as pessoas vivem os valores comunitários que pregam. É o padrão que todos deveriam alcançar”, destacou.
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