Ver a própria vivência refletida nas páginas de um livro é um lembrete poderoso de que todas as histórias importam. A cada edição, a Festa Literária Internacional de Cachoeira – FLICA celebra a diversidade e reforça a representatividade em sua programação, dando voz a quem transforma suas experiências em narrativas que tocam e inspiram. De 23 a 26 de outubro, a Geração Flica, espaço dedicado aos jovens, será palco de bate-papos espontâneos sobre temas que permeiam a adolescência e o início da vida adulta, como identidade, raça, gênero e sexualidade, além de autoestima, medos e o desejo de pertencer.
Uma das mesas mais esperadas da Geração Flica é “A literatura e suas identidades: diversidade e representação nos livros”, que reúne os escritores Vitor Martins e Amanda Julieta, com mediação de Samira Soares, na sexta-feira (24). O encontro promete fazer os jovens leitores se verem representados, refletirem sobre diferentes perspectivas e compreenderem como a literatura pode celebrar identidades plurais. Durante a conversa, cada convidado compartilhará suas observações sobre a representatividade tanto na produção quanto no consumo de conteúdo voltado para o público juvenil.
Da adolescência à maturidade – Autor do livro best-seller Quinze Dias (2017), que está prestes a virar filme nos cinemas, Vitor Martins costuma retratar em suas obras assuntos como amor próprio, primeiro amor, amadurecimento e homossexualidade. Nascido no Rio de Janeiro, ele acredita que a diversidade na literatura jovem é uma arma potente, e seu principal objetivo como escritor é contar histórias de pessoas que nunca conseguiram se enxergar em um livro antes. Vitor adianta que a mesa tem tudo para ser um espaço de troca, acolhimento e reflexões interessantes.
“A adolescência é um momento crucial na nossa formação de identidade, caráter e ideais. E a oportunidade de ter a literatura como um espelho é algo que, ao meu ver, pode impactar de forma poderosa na vida dos jovens. A ficção ainda valida muito a realidade, e se enxergar numa história dá a sensação de que não estamos sozinhos. É isso que busco transmitir com a minha escrita”, reflete o escritor.
Mais do que um espaço de leitura teen, a Geração Flica oferece um verdadeiro momento de conexão entre escritores e seus leitores que, muitas vezes, os acompanham desde cedo. Para Vitor Martins, é muito especial fazer parte dessa fase crucial de amadurecimento junto com o seu público. “Eu espero que os leitores encontrem nos meus livros um lugar seguro de refúgio, um espaço para dar boas risadas e um canal de conversa sobre temas latentes em torno de sexualidade, identidade e futuro. Poder ver leitores que me acompanham há mais de 8 anos crescendo, vivendo novas experiências e criando laços com os meus livros me traz uma alegria que nem sei explicar. Sinto que somos todos uma família”, declara.
Escrita fora dos estereótipos – Para contribuir à discussão, junta-se à mesa a baiana Amanda Julieta, escritora, jornalista e pesquisadora literária com trajetória acadêmica e artística consolidada na cidade de Salvador. É mestra e doutoranda em Literatura e Cultura pela UFBA, onde desenvolve pesquisa sobre poesia e performance de mulheres negras na literatura periférica. No seu lançamento deste ano, No Rastro de Estela, a narrativa mistura prosa e poesia para abordar questões como o amor entre mulheres, o racismo, a lesbofobia e o apagamento das histórias de pessoas negras no Brasil.
Amanda revela que, ao lado de Vitor e Samira, pretende falar sobre o poder de narrar e ser narrada fora de estereótipos, e como a literatura é também um lugar de invenção de si, de possibilidades de criação de futuro. “Quando escrevemos a partir de nossas experiências negras, queer, femininas, abrimos frestas para outras formas de existência. Quando a programação da FLICA acolhe essas outras vozes, ela valoriza a diversidade, e isso é muito importante, porque todos os corpos e todas as histórias merecem existir no papel e no mundo”, pontua.
“A representatividade negra e queer na literatura é importantíssima. Quando um jovem se vê em uma história, isso abre espaço para que ela ou ele compreenda que a sua existência é valiosa, que há futuro possível. Então, em uma realidade que nem sempre é de afeto, a literatura pode ser esse espaço de respiro, de valorização das subjetividades, de acolhimento. Se enxergar no texto é também uma ponte para se amar”, avalia Amanda.
A escritora conta ainda que a ausência de representatividade na literatura teve impacto na sua relação com a leitura quando era mais nova. “Toni Morrison disse uma vez que se você gostaria de ler um livro que ainda não foi escrito, então você deveria escrevê-lo. Eu busco escrever o que gostaria de ter lido e ainda não encontrei. Cresci amando os livros, mas, como uma menina negra e lésbica, raramente me via naqueles textos. Hoje, escrevo de certa forma para preencher os vazios e tento compor, na minha obra, personagens negras e lésbicas com dignidade, complexidade e beleza”, afirma.
Nem tudo é óbvio – O amor pode se manifestar de formas inesperadas, com desafios, dúvidas e nuances que nem sempre são simples, lineares ou consideradas tradicionais. Na 13ª FLICA, a comunidade LGBTQIA+ também estará muito bem representada pela escritora baiana Elayne Baeta, autora do livro O amor não é óbvio, best-seller nacional com mais de cem mil exemplares físicos vendidos. Fenômeno de público, Elayne se destaca pela escrita fluida que transcreve sentimentos acerca de identidade, sexualidade, autoestima e relações humanas, temas que ressoam profundamente com adolescentes e jovens adultos.
“Na mesa de Elayne, a gente vai falar que nem todas as coisas são óbvias. Ela traz, dentro do universo dela de literatura, personagens desfem, por exemplo. Vamos analisar como são essas abordagens dentro do cenário literário, principalmente dialogando com os jovens sobre esse recorte de protagonismo. Então, falaremos sobre meninas que gostam de meninas, fugindo desse lugar da heteronormatividade, fugindo do que é ‘óbvio’, dentro da produção literária de consumo”, adianta Deco Lipe, curador da Geração Flica.
PROGRAMAÇÃO – Durante os quatro dias de evento, também marcarão presença outros nomes de peso na Geração Flica, como Paula Pimenta, na mesa “Histórias de uma Pimenta”; NegaFyah, Alice Nascimento e Breno Silva na mesa “A poesia da transformação do Slam: Palavras que revolucionam”; Bia Crespo, Saulo Dourado e Karou Dias na mesa “A ficção e as redes sociais: Dialogando a interseção entre literatura e mídia digital”; Pétala e Isa Souza (afrofuturas), Marcelo Lima e Anderson Shon na mesa “O Afrofuturismo e suas possibilidades: Imaginando futuros radicais”; e Daniel Ferreira, Gloria Maciel (Goka) e Yara Damasceno na mesa “O meu humor é massa: Um diálogo sobre criar do nosso jeitinho”.
TODOS NA FLICA – Todos os espaços apresentam indicação etária livre e contam com acessibilidade. As atividades acontecerão em espaços distintos, todos com rampas de acesso e sanitários químicos para pessoas com deficiências.
A Tenda Paraguaçu, Geração Flica, Fliquinha, o espaço Bahia Presente e o Palco Ritmos terão intérpretes em libras visíveis, de frente para a plateia. Produtores estarão em cada espaço para acompanhar pessoas com deficiência e fornecer informações. Para as mesas literárias com autores estrangeiros, serão disponibilizados a todos, incluindo os deficientes visuais, fones de ouvido com áudio da tradução em português.
A 13ª edição da FLICA tem patrocínio do Governo do Estado, através do FazCultura, Secretaria de Cultura do Estado (SecultBA) e Secretaria da Fazenda (Sefaz), Caixa e Governo Federal. É contemplado também pelo Projeto Bahia Literária, iniciativa da Fundação Pedro Calmon (FPC), unidade vinculada da SecultBA, e da Secretaria Estadual de Educação (SEC). Conta com o apoio da EMBASA. A realização é da SCHOMMER, em parceria com a Prefeitura Municipal de Cachoeira e LDM (livraria oficial do evento).