Nordestina, no sertão baiano, voltou a ser palco de polêmica após a realização de duas de suas festas mais tradicionais: o Dia do Evangélico e a Missa dos Vaqueiros e Fazendeiros. O motivo do debate não está apenas na importância cultural dos eventos, mas sim nos altos valores gastos com a contratação de artistas e na forma como a Prefeitura vem aplicando os recursos públicos.
De acordo com publicações no Diário Oficial do Município, os contratos assinados pela gestão ultrapassam meio milhão de reais em poucas semanas. Entre os cachês mais chamativos estão:
Agora é lei: artistas da terra nos festejos
Desde setembro de 2025, é lei em Nordestina garantir espaço para artistas locais em todos os festejos bancados com recursos públicos. A prefeita se recusou a sancionar o projeto, mas a Câmara Municipal promulgou a lei, fazendo valer a vontade dos vereadores e da própria classe artística.
Graças a essa mudança, as duas últimas festas já contaram com representantes da terra.
Apesar disso, a crítica permanece: diante de valores milionários pagos a atrações nacionais e regionais de fora, a participação dos músicos locais ainda é pequena e sem o devido destaque.
Enquanto isso, o Bolsa Mãe segue suspenso
Enquanto os gastos com festas chamam atenção, o programa municipal Bolsa Mãe, que ajudava famílias carentes, está suspenso desde janeiro de 2025, sem qualquer justificativa oficial.
O benefício, criado para apoiar mães em situação de vulnerabilidade, servia para pagar um botijão de gás, comprar leite para os filhos ou até ajudar no pagamento da conta de energia. Desde a interrupção, centenas de famílias ficaram desassistidas, ampliando a dificuldade de quem mais precisa.
Ao mesmo tempo, a Prefeitura não economizou em festas: o São João, o aniversário da cidade, a festa com o padre Fábio de Melo, além do Dia do Evangélico e a Missa dos Vaqueiros, já consumiram quase R$ 5 milhões dos cofres públicos em 2025.
Para efeito de comparação, com esse valor seria possível bancar mais de 31 meses de Bolsa Mãe para todas as mil famílias cadastradas — um contraste que tem causado revolta na população.
Voz das ruas
Na cidade, os moradores estão insatisfeitos e temem falar publicamente por receio de represálias políticas e pedem anonimato.
Um dos moradores da cidade questionou os valores pagos:
“Esses cachês são fora da realidade de Nordestina. Se comparar com cidades vizinhas, até maiores, os valores são muito menores. Aqui parece que ninguém fiscaliza”.
Outro apontou a falta de prioridade:
“A saúde está precária, escolas precisam de melhorias, estradas estão abandonadas. Como gastar tanto com festa? A gente gosta de comemorar, mas precisa pensar no que é mais urgente”.
Um terceiro destacou o atraso em relação a municípios da região:
“Nordestina não cresce. A maioria do povo vive de Bolsa Família, e o dinheiro que entra é gasto como se fosse uma cidade rica. Isso mostra a falta de planejamento e um atraso político que já dura mais de 30 anos”.
O contraste da realidade
Nordestina é considerada uma das cidades com piores indicadores de desenvolvimento da microrregião. Educação, saúde e infraestrutura seguem em estado crítico, enquanto a economia depende majoritariamente de programas sociais. Ainda assim, o poder público destina grandes recursos para festas, reforçando a velha lógica do “pão e circo”: entretenimento para mascarar carências básicas.
Um outubro que pode ser histórico
Além da polêmica dos festejos, o próximo dia 10 de outubro de 2025 pode marcar a história política de Nordestina. Nesta data, acontecem duas audiências: uma pela manhã e outra à tarde, nas quais a prefeita responde a processos de compra de votos e abuso de poder político nas eleições municipais de 2024.
O julgamento pode trazer desdobramentos decisivos para o futuro político da cidade.
Entre cultura e responsabilidade
Não há dúvida da importância cultural das festas religiosas e tradicionais. Elas fortalecem a identidade local e movimentam a economia do município. A crítica que ecoa, no entanto, é pela falta de equilíbrio entre celebração e prioridade com o dinheiro público.
Em um município marcado pela pobreza e pela estagnação, shows milionários soam como um retrato de um modelo político ultrapassado: gastar muito para impressionar, enquanto o essencial segue esquecido.
Outro lado
A Prefeitura de Nordestina foi procurada para se manifestar sobre os valores das contratações, a suspensão do Bolsa Mãe e a aplicação da lei que garante espaço aos artistas locais, mas preferiu não responder.