“Só sei que nada sei“
Sócrates, filósofo grego (469 a.C – 399 a.C)
A expressão utilizada no título é um eufemismo para a morte e foi cunhada por Manuel Bandeira no poema Consoada.
A morte e seus (incontáveis) mistérios… Indesejável, ainda que inevitável… Surpresa, ainda que certeza…
Millôr Fernandes dizia que “morrer é algo que se deve deixar sempre para depois“…
O certo é que, desde a Grécia Antiga, o tema da morte e o sonho da imortalidade têm acompanhado o homem no seu ciclo evolutivo.
Se na mitologia greco-romana, a conquista da imortalidade – privilégio dos deuses – foi o elemento mais desejado pelos mortais, há que se admitir que, ainda hoje, o tema da morte e do que acontece (ou não acontece) após a morte tem alimentado a sede de conhecimento e constitui um dos grandes desafios para filósofos, religiosos, cientistas e pensadores das mais diferentes correntes.
Julgado e condenado a beber cicuta, Sócrates, considerado por muitos como “O Pai da Filosofia Ocidental”, fez da sua execução um exemplo de dignidade e de altivez diante da inexorabilidade da morte.
Na literatura, a morte e a imortalidade têm sido exploradas das mais diferentes formas, seja como drama e sofrimento, seja com astúcia, humor e ironia.
Machado de Assis, no clássico Memórias póstumas de Brás Cuba, esbanja criatividade ao conceber um narrador que, depois de morto, decide fazer o balanço de toda a sua vida.
Jorge Amado explorou o tema da imortalidade como muita leveza em Dona Flor e seus dois maridos, onde o personagem Vadinho vence e dribla a própria morte, transcende e permanece vivo na lembrança, na voz, no cheiro e no choro sincero de Dona Flor, sua eterna amante, ainda que no imaginário.
Todavia, o sonho da imortalidade também pode se transformar em um grande pesadelo…
“Vida eterna, antes a morte que tal sorte“…
Lembremos As intermitências da morte, fábula cujo cenário é um pequeno país onde as pessoas simplesmente deixam de morrer, provocando inimagináveis consequências para o cotidiano daquela sociedade… E, como a enfatizar a subversão da ordem natural que a “greve” da morte provoca, o genial José Saramago inova e subverte também as regras da pontuação convencional…
Um texto quase sem pontos… Sem interrupção… Uma vida sem a morte…
Toda essa complexidade do tema, entretanto, parece ter sido o combustível que fez o renomado economista e filósofo Eduardo Giannetti mergulhar com profundidade, explorando a imortalidade, com extraordinário fôlego intelectual e invejável erudição, sob diferentes perspectivas: história, mitologia, filosofia, sociologia, psicologia, economia, direito, medicina, religião, literatura, artes, ciências…
Lendo “Imortalidades” (Giannetti, Eduardo, Companhia das Letras, 2025), me surpreendi, por diversas vezes, com o livro apenas aberto no meu colo, a leitura involuntariamente interrompida e o pensamento viajando, a refletir sobre as ideias e as provocações que o livro traz.
O autor, depois de percorrer diversos caminhos e abordar o tema por todos os prismas, conclui, invocando, em pleno século XXI, a velha máxima socrática:
“Seria pretensão descabida de minha parte arvorar-me em árbitro ou questionar a força, a legitimidade e o apelo das diferentes manifestações do anseio de perenidade. Sinto-me seguro, todavia, para afirmar que nenhuma delas por si (ou todas reunidas) se mostra capaz de aplacar inteiramente ou saciar a fome de imortalidade que herdamos da nossa mais remota ancestralidade. A ignorância infinita desconcerta o saber finito. Quando se trata de “por quê” e “para quê” de tudo – e de cada um de nós – somos todos indigentes. As respostas são profanas. A busca é sagrada”.
O livro é brilhante! Recomendo fortemente a leitura, vale cada parágrafo.
Sérgio Faria, engenheiro e escritor, presidente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador