

JOSÉ MACIEL DOS SANTOS FILHO (1)
O economista Armando Avena e outros analistas têm sustentado que o tarifaço decretado pelo governo Trump terá impacto limitado na economia brasileira , por conta da baixa participação das exportações brasileiras que se destinam aos EUA, ao redor de 13%, e da extensa lista de exceções, com cerca de 700 produtos, incluindo aviões, petróleo, suco de laranja e outros itens. Avena acrescenta ainda que muitas empresas e setores produtivos no Brasil têm condições de realocar seus produtos para outros mercados, seja por conta de acordos comerciais já existentes com parceiros comerciais , seja pela presença de novas oportunidades abertas pela própria tensão geopolítica , que desloca fluxos de comércio. Finalmente, Avena admite que no universo microeconômico muitas empresas e setores serão fortemente afetados, a exemplo de alumínio, siderurgia, calçados, pescados, frutas e outros itens.
Em artigo no ESTADÃO , de 7 de setembro último, o Professor José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, converge com essa linha de argumentação, afirmando que o tarifaço vai afetar pouco o nosso crescimento econômico, pelos mesmos motivos elencados por Armando Avena, e admite que mesmo que as tarifas sejam mantidas, muitos produtos acabarão sendo encaminhados para terceiros mercados.
Aqui, cabe pontuar que a realocação aludida acima é possível em vários casos, mas existem situações , inclusive no setor agropecuário, em que essa possibilidade não é tão simples e tão rápida como se imagina.
Inicialmente, devemos ressaltar que , além do saldo da balança comercial ser historicamente positivo para os EUA no comércio bilateral, com relação ao agronegócio, as novas tarifas adotadas pelo governo americano não encontram justificativas plausíveis. Afinal, a pauta de produtos agrícolas brasileiros exportados para os EUA é constituída majoritariamente de culturas tipicamente de clima tropical e , obviamente , os EUA não têm aptidão para a produção em seu território, dependendo de importações para o suprimento de seu mercado interno. Manga, café, água e derivados de coco, por exemplo, não encontram condições climáticas favoráveis para serem produzidos pelos norte-americanos. Mesmo com as tarifas aplicadas ao Brasil sendo maiores que as aplicadas a países concorrentes nossos, esses países não conseguirão suprir o mercado americano com a diminuição de nossas exportações.
Por outro lado, realocar tais produtos e outros não citados nem sempre é tarefa trivial e célere, dependendo, em muitas casos, de demoradas negociações comerciais, envolvendo tradição de consumo, aspectos e regulamentações zoofitossanitárias, problemas de logística de armazenagem e transporte, concorrência já estabelecida ou não em países potencialmente importadores, e outros. Todos sabem que a China é nosso grande cliente em matéria de importações de produtos agropecuários, mas a nossa pauta enviada para os chineses ainda é muito concentrada em grãos e carnes. Só mais recentemente, incluímos itens da fruticultura, como melão e uva, depois de muitas tratativas comerciais e diplomáticas. Exportar frutas tropicais e carne bovina para o Japão sempre foi um processo complicado, pelas exigências sanitárias e pelo fato de os japoneses não comerem carne oriunda de rebanho vacinado contra febre aftosa . Só agora, com o status de país livre de febre aftosa sem vacinação concedido pela Organização Mundial de Saúde Animal, o governo brasileiro abriu negociação com os japoneses para acessar o seu mercado de carne bovina.
Os produtos agrícolas mais afetados pelo tarifaço são a carne bovina, o café, a manga, a água de coco e tilápia, dentre outros itens.
Direcionar as vendas de carne bovina para ouros mercados não parece tão problemático, pelas negociações em curso e também pelo excelente status sanitário de nosso rebanho, livre de aftosa sem vacinação. O café brasileiro tem grande qualidade, é do tipo Arábica, o preferido pelo consumidor americano, e não será substituído pelo café colombiano em grande escala, nem pelo produto do Vietnã, que produz o tipo robusta, usado em blends. Mas, por exemplo, acessar um grande mercado , como o chinês, é tarefa de médio e longo prazo, pois a China tem tradição milenar de consumo de chá. Só mais recentemente, a implantação de cafeterias de grife ganhou velocidade de implantação no país. Devemos investir nisso, mas resultados robustos só virão no longo Prazo.
Conquistar mercados para a nossa manga sempre foi um processo demorado, por conta de exigências fitossanitárias. Com a descoberta do tratamento hidrotérmico, o controle da mosca das frutas foi razoavelmente equacionado e as negociações ficaram mais fáceis. Mas, cada país tem sua preferência por determinado tipo de manga. Os americanos preferem a variedade Tommy Atkins, produzida aqui no vale do São Francisco. Bahia e Pernambuco produzem mais de 90 % de nossas exportações para os EUA, cujo valor está num patamar ao redor de 50 milhões de dólares. É uma pauta geradora de milhares de empregos. O problema é que o tarifaço veio exatamente em nossa janela de produção , que abrange os meses de agosto a novembro. Nenhum dos nossos concorrentes (México, Peru e Equador) produz e oferta nesse período. Então, temos de negociar com urgência os americanos a volta da isenção tarifária , porque do contrário teremos desemprego em Juazeiro e Petrolina e o consumidor americano não terá manga disponível até novembro, e a manga é a fruta tropical preferida deles, mais que o mamão e o abacaxi, e o consumo percapita tem crescido exponencialmente. Dessa forma, negociar e dialogar são as palavras de ordem e isso vale para todos os nossos produtos afetados pelas novas tarifas impostas pelo governo Trump. Bravatas e retaliação não resolvem. Finalmente, a água de coco brasileira tem gerado divisas por volta de 60 milhões de dólares anuais. Os importadores dos EUA estão pedindo ao governo americano a volta da isenção tarifária, porque o nosso produto é mais competitivo para abastecer a costa leste dos EUA. Ceará e Bahia são os maiores exportadores desse produto. Exportar água de coco para a China não está no radar nesse momento, posto que a Tailândia já está bem estabelecida no mercado chinês.
Diante do exposto, as possibilidades de realocação de produtos em outros mercados existem, mas em certos casos o processo não é rápido. A ordem, portanto , é tentar negociar com os americanos uma revisão dessas tarifas.
(1)Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP. E-mail: jose.macielsantos@hotmail.com