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CANETAS QUE EMAGRECEM VOLTAM À TONA E ESPECIALISTAS EXPLICAM: FUNCIONA OU NÃO? VEJA AQUI

João Paulo - 10/03/2025 07:40

As polêmicas canetas emagrecedoras estão outra vez em alta, no centro de debates do cenário da saúde no Brasil. Afinal de conta, elas têm que finalidade? Numa busca rápida no Google, é possível encontrar farmácias de manipulação que oferecem a semaglutida – a substância que ficou famosa pelo nome comercial Ozempic – por até 20% do preço original. Sem muito esforço, dá para localizar perfis no TikTok que dizem vender a tirzepatida manipulada – ou seja, o princípio ativo do Mounjaro, que ainda nem é comercializado no Brasil.

Desde que as canetas emagrecedoras se tornaram uma febre no país, começou uma corrida nos laboratórios de manipulação para disponibilizar outras versões dos medicamentos. Isso atingiu proporções tão grandes que, recentemente, passou a ser alvo de questionamentos quanto aos riscos, procedência e até automedicação.

No mês passado, três importantes sociedades médicas emitiram uma nota conjunta sobre medicamentos injetáveis destinados ao tratamento de obesidade e diabetes e chamados por eles como de ‘origem alternativa ou manipulados’. O alerta veio da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

“O uso de versões alternativas ou manipuladas dessas moléculas tem se tornado uma prática crescente, preocupante e perigosa, carecendo de bases científicas e regulatórias que garantam a eficácia, segurança, pureza e estabilidade do produto, expondo os usuários a sérios riscos à saúde”, diz o texto.

Ao contrário de outros medicamentos que já têm versões genéricas, tanto a patente da semaglutida quanto a da tirzepatida pertencem às farmacêuticas Novo Nordisk e Eli Lilly, respectivamente. Sancionada em 1996, a lei de patentes no Brasil, contudo, não se aplica a manipulação.

O processo de manipulação, desde que seguindo a legislação, é defendido pelos órgãos que representam os farmacêuticos, inclusive o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag). “No que se refere especificamente à semaglutida e à tirzepatida no atendimento de uma prescrição personalizada, assim como para todos os demais medicamentos, a manipulação deve seguir os critérios técnicos e legais estabelecidos em legislação”, diz a nota da Anfarmag.

“A manipulação é uma coisa individual. Não é para fazer em larga escala, mas de um a um. Como a gente faz, existem dosagens, referências do que se pode e do que não se pode fazer, diferentemente do produto industrializado. Ele (de referência) vai atender a 99,9% das enfermidades, mas existe ali uma pequena faixa que não. E quem decide isso é o médico”, explica o conselheiro federal de Farmácia Antônio Geraldo.

Prescrição

À medida que os nomes ‘Ozempic’ e ‘Mounjaro’ ganharam o noticiário e as redes sociais, o número de pacientes que começou a chegar nos consultórios usando medicações manipuladas ou compradas na internet por conta própria foi aumentando. Com esse crescimento, veio a decisão de emitir o comunicado das entidades médicas, de acordo com o médico endocrinologista Fabio Trujilho, diretor do departamento de obesidade da Sbem e presidente da Abeso. “Começaram a chegar os relatos de colegas sobre problemas hepáticos e renais. “.

Nas redes sociais, é fácil encontrar grupos de usuários que não apenas compartilham orientações para quem quer tomar o remédio por conta própria quanto formas de acessar os manipulados sem a orientação específica. “Não estou falando contra a medicação manipulada, porque não são todas as farmácias que fazem isso. Estou questionando a origem de um medicamento para algumas farmácias, que a gente não sabe a origem e não sabe se tem algum contaminante”, pontua.

O que acontece, muitas vezes, é um tipo de assédio de propagandas em redes sociais, de acordo com o médico endocrinologista Victor França, coordenador do curso de Medicina da Unifacs. Ele orienta que os pacientes devem desconfiar de preços muito baixos. “Nunca se encante por um preço muito barato. Provavelmente, aquilo é uma fraude. Antigamente, a gente via isso em outros tipos de comércio. Hoje, existem falsificações de medicações. O paciente não deve acreditar em tudo que vê ou ouvir de terceiros ou pessoas próximas que não estudaram sobre o assunto”, completa.

Diferenças

Uma vez que os dois remédios têm situações diferentes no país, a manipulação de cada um também tem especificidades. Enquanto a semaglutida é vendida nas farmácias (não apenas como Ozempic, mas também comop Wegovy ou Rybelsus), a tirzepatida ainda não está disponível oficialmente, ainda que já esteja autorizada no país.

Há quem importe de países como os Emirados Árabes Unidos, mas muitos usuários trazem por conta própria, sem o acondicionamento devido, já que precisa ser refrigerado. “As duas drogas originais são realmente importantes e potentes, mas são medicações biológicas. Esse tipo de medicação não é fácil de ser fabricado”, pondera o endocrinologista Fabio Trujilho.

Alguns pacientes chegam ao consultório usando doses elevadas ou fazendo ajuste de dose em um período menor do que o recomendado (duas semanas ao invés de quatro, por exemplo). “Como não tinha orientação e o medicamento tira a fome, alguns não estavam bebendo água, sentiam dor de cabeça e até desmaiavam na academia. Isso começou a nos preocupar”.

Uma das regras para a manipulação é que as farmácias só podem produzir com a receita médica. “Quem decide se vai ser pronto, genérico ou manipulado é o médico”, diz o farmacêutico Antônio Geraldo, do CFF.

De fato, de cinco farmácias de manipulação em Salvador procuradas pelo CORREIO, apenas duas tinham a semaglutida disponível. Elas não divulgaram orçamento sem apresentação da receita médica. Nenhuma delas tinha a tirzepatida disponível.

Uma medicação pode ser manipulada de outras formas, de acordo com Geraldo. “Um idoso que não consegue tomar comprimido, a gente consegue fazer em xarope. Existe uma importância para aquilo que a indústria não consegue atender”.

Amostras

O medicamento mais barato dentre as semaglutidas, o Ozempic, custa pelo menos R$ 1 mil. O Mounjaro, uma vez que ainda não está disponível nas farmácias brasileiras, pode chegar a R$ 10 mil, por importadoras. Por isso, o valor de manipulados na internet chama a atenção. Alguns custam menos de R$ 200.

“Esses medicamentos são caros, porque eles realmente têm uma eficácia importante no controle de peso para pessoas com obesidade e da glicose para pessoas com diabetes”, diz o médico endocrinologista Fernando Valente diretor da SDB.

Um estudo publicado em em 2024 na Jama Network Open avaliou medicamentos comprados por pesquisadores nas farmácias magistrais americanas e o resultado foi considerado “preocupante”. “Acetato de semaglutida ou semaglutida sódica não são a semaglutida que foi estudada e aprovada. Muitas vezes, os pesquisadores descrevem que encontraram outros ingredientes, como vitaminas”.

Laboratórios

Por ora, não há previsão de chegada do Mounjaro às farmácias brasileiras, de acordo com o diretor médico sênior da Eli Lilly do Brasil, Luiz Magno. A tirzepatida é o primeiro medicamento de sua classe – ou seja, o primeiro a ser um duplo agonista de GLP-1 e GIP. Isso significa que ele simula, duplamente a ação desses dois hormônios relacionados à saciedade, enquanto a semaglutida atua apenas como agonista do GLP-1.

“O crescimento que observamos do mercado global de incretinas injetáveis é algo sem precedentes. Por isso, antes de lançar Mounjaro em um novo país, como aqui no Brasil, a Lilly avalia de perto muitos fatores, como capacidade de fornecimento e tantos outros. E isso é um cuidado para garantir que possamos cumprir o nosso compromisso de fornecer os medicamentos aos pacientes”,.

Segundo ele, a Lilly é a única única fornecedora legal de medicamentos à base de tirzepatida aprovados pela Anvisa e outras agências regulatórias e não fornece o ingrediente ativo para ninguém. Magno afirma que a empresa desconhece a procedência da tirzepatida vendida por farmácias de manipulação. “Qualquer versão de tirzepatida que não seja a versão genuína da Lilly representa riscos de segurança potencialmente fatais para os pacientes”, defende.

A farmacêutica investigou amostras de produtos manipulados e falsificados em todo o mundo. “Algumas continham bactérias, altos níveis de endotoxinas e outras impurezas, cores diferentes (rosa em vez de incolor) ou uma estrutura química completamente diferente dos medicamentos aprovados pela Lilly. Em pelo menos um caso, o produto não passava de álcool ou açúcar”, diz.

Em nota, a Novo Nordisk, que produz o Ozempic, informu que que não fornece e não autoriza o fornecimento de semaglutida a farmácias de manipulação ou outros fabricantes. Segundo a farmacêutica, a apresentação dos medicamentos fora do original é considerado irregular. “O princípio ativo semaglutida não foi desenvolvido, em nenhum lugar do mundo, para uso em formato injetável em frascos, em cápsulas orais, pellets absorvíveis, fitas,chip ou implantes de hormônios”.

Farmácias

O crescimento dos manipulados se dá em um contexto em que as farmácias magistrais são um dos pontos fortes da indústria no Brasil. Esse fortalecimento se deu porque, nos anos 1990, não existiam ainda os medicamentos genéricos, então os manipulados eram uma necessidade, como explica como explica o farmacêutico Antônio Geraldo, do CFF. “Qualquer produto manipulado só chega na farmácia por via legal. Existem importadores que vendem para as farmácias de manipulação e para as indústrias”. Ele explica que os princípios ativos são todos rastreados pela Anvisa.

Através da assessoria a Anfarmag destacou que as farmácias de manipulação operam sob um rigoroso arcabouço regulatório, sendo fiscalizadas e autorizadas pelos órgãos competentes. “Produtos vendidos em marketplaces ou sites que não sejam de farmácias de manipulação não podem ser denominados como ‘produtos manipulados’, pois são produzidos em escala, por empresas muitas vezes irregulares, sem a fiscalização das autoridades competentes e sem a supervisão de um farmacêutico”, informaram.

Em nota, a Anvisa informou que a semaglutida e a tirzepatida são medicamentos com princípio ativo biológico e que, até o momento, não há remédios aprovados no país com esses ingredientes ativos obtidos por meio de síntese química. Além disso, a agência ressaltou que, uma vez que existem medicamentos registrados com esses princípios ativos, não se justifica a manipulação por farmácias nas mesmas doses, concentração ou forma já aprovadas.

Entenda a linha do tempo das ‘canetas emagrecedoras’

Ao contrário do que muita gente imagina, o Ozempic sequer foi a primeira caneta ‘emagrecedora’ disponível no mercado, ainda que tenha se tornado a mais conhecida nas redes. Conheça alguns marcos da história desses medicamentos:

2009: Liraglutida – Victoza

A primeira foi a Victoza (liraglutida), do laboratório Novo Nordisk. Aprovada para diabetes, usuários tiveram perda de peso como efeito colateral. Registrada no Brasil em 2010.

2014: Liraglutida – Saxenda

Uma vez que a perda de peso vinha sendo observada por usuários da caneta Victoza, a Novo Nordisk registrou o Saxenda – a liraglutida para combate à obesidade. No Brasil, foi em 2016.

2014: Dulaglutida – Trulicity

A Trulicity usa a dulaglutida, um análogo do GLP-1 e é da mesma classe da semaglutida. Pertence à Eli Lilly – o mesmo laboratório do Mounjaro – e foi registrada na Anvisa em 2015.

2017: Semaglutida – Ozempic

Aprovada em 2017 nos Estados Unidos, ganhou fama por promover uma maior perda de peso no tratamento de diabetes tipo 2. O Ozempic só chegou às farmácias do Brasil em 2019.

2019: Semaglutida – Rybelsus

Com a mesma indicação do Ozempic – ou seja, tratamento da diabetes tipo 2 -, o Rybelsus é a versão oral do medicamento subcutâneo. Portanto, não é uma caneta. Foi aprovado pela Anvisa em 2020.

2021: Semaglutida – Wegovy

Depois das evidências da perda de peso com a semaglutida, a Novo Nordisk conseguiu a aprovação da substância oficialmente para a perda de peso. Chegou ao Brasil apenas em 2024.

2022: Tirzepatida – Mounjaro

Aprovada nos Estados Unidos em 2022, foi apontada como uma revolução no controle da diabetes. A perda de peso é comparada à cirurgia bariátrica. Registrado no Brasil em 2023.

2024: Queda da primeira patente

Com a queda da patente da liraglutida, a Anvisa já autorizou pelo menos uma farmacêutica – a brasileira EMS – a produzir dois medicamentos à base da substância. Previstos para 2025.

2026: Novas canetas?

Há novas substâncias a caminho. Em dezembro do ano passado, o laboratório do Ozempic anunciou a CagriSema, comparado ao Mounjaro e previsto para ser registrado em 2026.

 

Crédito: Shutterstock

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