Lá se foi mais um carnaval. Passou tão rápido quanto veio, embalado na desenfreada maratona que o tempo anda a correr. O tempo desatinou-se, passou a andar rápido demais – logo ele, que não tem aonde chegar, e apenas passa. E não tentem me dizer que sempre foi assim, pois eu o percebo mais ligeiro, tão veloz que os sonhos mal se formam e já não há tempo para concretizarem-se.
Lá se foi mais um carnaval. Foi-se o único momento do ano no qual a gente pode ser outro que não si mesmo, como queria Clarice Lispector. Ou o momento em que é possível ser si mesmo, mesmo sabendo que, após a folia, será preciso voltar a usar a máscara.
No carnaval, é possível ser o que se é. Pode-se vestir um abadá de alegria e sair dançando num bloco qualquer ou se enrolar em uma túnica branca, colocar um turbante na cabeça e ajudar a pintar de branco a avenida. Pode-se trajar-se de mulher e sair nas Muquiranas ou vestir-se de Pierrot e, de madrugada, quando nada mais se espera, encontrar uma misteriosa mulher vestida de dominó negro, que jamais tira a máscara, e quer levá-lo para um lugar onde, mais cedo ou mais teremos de ir – como na crônica de Humberto de Campos.
Lá se foi o carnaval, um momento tão efêmero que mal a gente se transmuda em outro e já vem a quarta-feira avisando que a mágica acabou e que agora só no ano que vem.
E este ano a quarta-feira veio cheia de maus augúrios, em março, que não é o mais cruel dos meses, mas deve-se temer seus idos. É uma superstição vã, eu sei, acreditar em maus augúrios apenas porque o carnaval terminou quando o ano já devia ter começado – ao menos no Brasil, onde só se veste o macacão após despir a fantasia. Mas este é um tempo estranho e é preciso ter cuidado.
“Cuidado com os idos de março “, disseram os oráculos, avisando a Júlio César sobre a conspiração que se tramava contra ele no Senado. Calpúrnia, sua esposa, teve um pesadelo e viu a estátua do marido coberta de sangue, enquanto os romanos se banhavam no sangue que dela corria. César não deu ouvidos aos adivinhos e, tampouco, como soem fazer os homens, à sua mulher. E, em meados de março, ante o punhal que tirou sua vida, pode apenas exclamar, ao ver o filho adotivo entre os assassinos: “Et tu, Brute?”
Mas o que de mal pode ocorrer, após tão belo carnaval? Não sei. Há muito deixei de consultar os oráculos, mal leio o que me dizem os búzios, mas, enquanto a alegria reinava na cidade da Bahia, um dominó negro visitou o Papa Francisco, desvendou seu rosto, e quase o levou para seu reino. E, enquanto Oxalá benzia a alegria na cidade de Salvador, um Donald estridente, fantasiado de Führer, fazia estripulias no Salão Oval da Casa Branca, ameaçando a todos. E tão tenso e imprevisível está o mundo que convém ter cuidado com os idos de março – e com todos os meses que se seguem, pelo menos até que novamente seja carnaval.
Publicado no jornal A Tarde em 07/03/2024
Foto: IA