Nos últimos dias temos lido declarações de alguns líderes mundiais, destacadamente o presidente francês Emanoel Macron e o presidente eleito dos EUA Donald Trump, anunciando medidas de apoio aos seus respectivos setores agropecuários que contribuem para conformar um cenário de uma possível “espiral protecionista”, em nível mundial.
Do lado francês , temos um setor agrícola forte , com produção relativamente diversificada e vários produtos com o renomado selo de Indicação Geográfica, com a França detendo centenas dessas Indicações. Todos sabem, porém , que o setor agropecuário francês e de diversos países da União Europeia é fortemente subsidiado e protegido, com partes significativas das rendas de seus produtores sendo formadas por generosos aportes de subsídios da Política Agrícola Comum , da União Europeia. A título de ilustração, o subsídio médio como proporção da renda média do agricultor europeu está na casa dos 19% , em torno de 10% nos EUA e no Brasil, onde não temos pagamentos diretos a produtores rurais, a proporção de subsídio é inferior a 2%. A maior parte dos chamados subsídios agrícolas no Brasil refere-se aos recursos do orçamento para a chamada equalização de juros e à subvenção ao seguro rural. A despeito disso, o agro da UE não tem condições de competir com o agronegócio brasileiro, muito mais competitivo e sustentável.
Politicamente, o setor agrícola francês é forte e conta com o apoio do Presidente Macron, que tem dito reiteradamente que não assinará o acordo da UE com o Mercosul, por considerar prejudicial aos agricultores franceses nos termos atualmete negociados. Estes fazem barulho, colocam máquinas agrícolas nas ruas e ameaçam o desabastecimento de alimentos nas cidades francesas, aí incluída a charmosa capital do país, Paris. Pelas regras do funcionamento do Parlamento Europeu, o governo francês não tem, no atual momento das negociações, o poder de, isoladamente, vetar ou bloquear a assinatura do Tratado. Essa decisão pode, em teoria, ser tomada por pelo menos 55% dos países do bloco, com uma população de ao memos 65% doas nações da UE. Contudo, a força política da França tem conseguido travar até aqui a finalização das negociações e a assinatura do Acordo.
Digno de registro também é a adesão de empresas gigantes do agro francês no apoio aos agricultores de seu país, a exemplo dos casos recentes da rede Carrefour e da Danone, ambas operando no Brasil. Tais empresas decidiram recentemente parar de comprar a carne e a soja do nosso país para abastecer o mercado francês, sob a alegação de que elas consideram questionáveis os padrões de qualidade e sustentabilidade de nossas produções. Hoje, o CEO global do Carrefour enviou carta ao minstro Carlos Fávaro se retratando e reconhecendo a excelência qualidade da carne brasileira. Ato contínuo, alguns frigoríficos brasileiros, tendo a frente o grupo JBS, responderam que não venderão carne ao Carrefour para abastecer o mercado brasileiro, numa atitude acertada e corajosa. Este cenário de protecionismo setorial é conhecido dos agricultores brasileiros, mas tem sofrido uma “escalada” nos últimos dias.
O Congresso Nacional também reagiu com indignação e promete pautar para breve propjetos de lei que tratem de medidas de reciprocidade econômica no comércio externo. Todos sabem que , além da indiscutível competitividade, o agronegócio brasileiro é sustentável e adota práticas de plantio direto, sistemas de integração lavoura-pecuária, floresta, métodos de controle biológico de pragas e doenças em escala crescente , dentre outras práticas. Todos sabem também que temos o Código Florestal mais rigoroso do mundo, com coeficientes de Reserva Legal de até 80% no caso de terras de florestas no Bioma Amazônia. Bem que o presidente Macron poderia apresentar ao mundo seus coeficicientes de Reserva Legal de sua legislação florestal e de uso da terra. Os 4% das terras para conservação e repouso agrícola propostos pelo governo francês já foram cancelados pelo recuo diante da pressão de seus agricultores. 4% CONTRA ATÉ 80% de reserva legal adotado no Brasil ja dizem muito do rigor de nossa legislação, sem paralelo no plano internacional.
Do lado americano, que voltaremos a analisar em outra oportunidade, o presidente eleito Donald Trump promete retomar sua guerra comercial com a China impondo tarifas elevadas aos produtos chineses que queiram entrar no mercado americano, mas deve também colocar barreiras às importações de outros países, e o Brasil pode ser incluído nessa estratégia. Alguns analistas alegam que o Brasil pode se beneficiar dessa ação exportando mais produtos agrívolas para o mercado chinês , já que a China restringirá a entrada de produtos americanos em seus mercados. Outros especialistas argumentam que este efeito positivo. será menos pronunciado para o Brasil que no primeiro mandato de Trump. É preciso ponderar também que a diplomacia americana no Governo Trump será ocupada pelo senador Marco Rubio, neto de cubanos , anticomunista ferrenho, e crítico de países governados por regimes ditatoriais e de esquerda , a exemplo de Venezuela, Cuba e Irã e, e de governos alinhados a esses países, como é o caso do Brasil , no momento sob a presidência do presidente Lula. Isso poderá pesar na relação bilateral com o Brasil, dentro de critérios da política e prática de “friendshoring”, a serem adotadas por Marco Rubio. Países com relações políticas estáveis e amistosas com os EUA tendem a ter preferência na atuação de Rubio, cuja nomeação para Secretário de Estado Por Trump é vista com preocupação por diplomatas brasileiros.
Enfim, voltaremos a esses temas proximamente, mas não podemos deixar de externar nossas preocupações com os movimentos protecionistas dos governos de Macron e Trump e seus possíveis impactos negativos no agro brasileiro
Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP. E-mail: [email protected]