Além de deixar milhares de desabrigados e centenas de mortos, feridos e desaparecidos, as enchentes que assolam o Rio Grande do Sul acertaram em cheio o setor produtivo. Mais de 10 dias após o início das cheias, os balanços divulgados por entidades dão a primeira dimensão dos impactos da tragédia.
O governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), afirmou na última quinta-feira (9) que serão necessários cerca de R$ 19 bilhões no médio e no longo prazo para reerguer o Rio Grande do Sul após as enchentes. Há também um pacote de apoio do governo federal. O plano de recuperação anunciado por Leite prevê quatro pilares de atuação: resposta, assistência, reestabelecimento, e reconstrução. “Financiar as políticas públicas, reconstruir lugares e vidas”, declarou o governador. Veja aqui os detalhes.
Balanço da indústria – Em relatório publicado na última quarta-feira (8), a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) estima que as cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado. Ao todo, o desastre afetou 67,6% dos municípios gaúchos, segundo cálculos da entidade. O documento também destaca que as perdas econômicas são inestimáveis até agora e aponta os principais polos industriais e segmentos atingidos no estado. São eles:
Produção nos segmentos metalmecânico (veículos, máquinas, produtos de metal) e móveis, na Região da Serra;
De acordo com a Fiergs, além dos “danos gigantescos de capital”, os problemas logísticos devem afetar de forma significativa todas as cadeias econômicas do estado. “Em boa parte dos casos, não será apenas necessário realizar o trabalho de desobstrução, mas de reconstrução de estradas, pontes, vias férreas e até mesmo o principal aeroporto do estado está com suas instalações comprometidas”, diz a federação.
Em relação à atividade econômica, as três regiões mais importantes atingidas foram:
Balanço do comércio – Em relatório divulgado na última quinta-feira (9), a Fecomércio-RS destacou que o volume de recursos necessários para a reconstrução de áreas públicas, das famílias e de empresas no Rio Grande do Sul será “absolutamente inalcançável pelas capacidades do governo estadual e dos municípios gaúchos”. “É necessária a ajuda do governo federal. Esses fatores também exigem que estes recursos não enfrentem as limitações usuais de despesas da União, a exemplo do ocorrido com as ajudas emergenciais durante a pandemia de Covid-19”, afirmou a entidade.
Apesar de também considerar cedo para trazer estimativas mais precisas sobre as perdas, a Fecomércio-RS destacou que alguns dados disponíveis já permitem observar impactos “grandiosos” das enchentes. O destaque, até agora, vai para as perdas de ativos das famílias. Segundo a federação, os danos patrimoniais às famílias chegam a R$ 1,7 bilhão em um cenário intermediário (ou seja, menos pessimista). No pior cenário, com impactos mais fortes, a estimativa é que os gaúchos acumulem R$ 2,3 bilhões em perdas.
A entidade também destaca grandes prejuízos nos ativos das empresas e em infraestrutura e ressalta a obstrução da atividade econômica, que pode interromper a capacidade produtiva de inúmeras companhias e localidades por mais de um mês. “O setor que possui maior concentração de produção nos municípios atingidos é o de serviços. Isso ocorre pelo fato de as enchentes terem atingido em cheio áreas metropolitanas, incluindo a capital, Porto Alegre, que possuem renda média e densidade urbana mais elevadas”, pontuou a entidade.
No caso do comércio varejista, os resultados são ainda mais prejudicados por conta da sazonalidade do Dia das Mães, que seria um período positivo e de alavancagem para as compras, destaca a Fecomércio-RS.
Os impactos esperados nos preços e no PIB – A XP Investimentos projeta reflexos principalmente nos preços do arroz e da soja. O destaque vai mesmo para o arroz, uma vez que o Rio Grande do Sul é protagonista no plantio do grão, com cerca de 70% da produção nacional. A estimativa da XP é que cerca de 5% da produção doméstica possa ter sido afetada pelas cheias. Para a empresa, trata-se de um número relevante, mas que não altera substancialmente o cenário já projetado. “Nesse sentido, esperávamos deflação na ordem de 5% para o arroz em 2024, que revertemos para virtual estabilidade”, afirmou em relatório.
Já o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) calcula que, até o momento, 114 mil toneladas do grão foram perdidas nas enchentes, o que representa 1,6% da colheita esperada. Ainda falta estimar as perdas em áreas que estão parcialmente submersas e em armazéns atingidos. “O arroz que já está colhido no Rio Grande do Sul garante o abastecimento do país”, atenuou o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, em entrevista ao podcast “De onde vem o que eu como”.
Diante do cenário, o governo federal também decidiu editar uma Medida Provisória (MP) que autoriza a importação, em caráter excepcional, de até 1 milhão de toneladas de arroz pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a recomposição dos estoques públicos, caso necessário. No caso da soja, a previsão da XP é de impactos indiretos e limitados sobre o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), dada a evolução da colheita no Brasil e dos estoques já disponíveis.
“Em suma, dadas as incertezas, ajustamos nossa curva para os preços de arroz, mas não para as demais linhas. Nossa projeção para o IPCA de 2024, atualmente em 3,7%, tem viés limitado de alta por conta deste efeito. Por ora, calculamos impacto aproximado de 0,1 ponto percentual no IPCA anual, enquanto aguardamos mais informações para ajustes na dinâmica mensal”, concluiu a XP.
E como fica o PIB? – Os impactos diretos mais evidentes estão na agricultura, diz a XP Investimentos, destacando mais uma vez o arroz. Estimar os efeitos indiretos sobre a atividade econômica do Rio Grande do Sul e do Brasil, no entanto, “é ainda mais desafiador”, já que o estado também é um importante produtor de máquinas e equipamentos. “[São] impactos que dependerão do tempo para a normalização das operações nas companhias e nos fluxos de distribuição, o que é bastante incerto no momento”, analisou a empresa. “Por ora, não alteramos nosso cenário base de que o PIB [Produto Interno Bruto] do Brasil crescerá 2,2% em 2024, embora reconheçamos os efeitos negativos – e incertos – no curto prazo”, concluiu.
Já para a MB Associados, o impacto do desastre no Produto Interno Bruto (PIB) nacional pode chegar a 0,4 ponto percentual. A empresa de consultoria afirmou que já esperava 2% de PIB para este ano e que “se havia chance de revisão para cima, a tragédia gaúcha diminui essa possibilidade”. “Reforçamos, assim, nosso número de 2% e diminuímos a chance de números mais próximos de 2,5%”, projetou a consultoria.
As principais medidas anunciadas pelo governo federal – O governo federal anunciou na última quinta-feira (9) uma lista de medidas de socorro ao Rio Grande do Sul. Serão R$ 50,9 bilhões destinados à recuperação dos municípios e das famílias atingidas pelas enchentes. O pacote foi enviado ao Congresso Nacional na forma de três medidas provisórias. Com isso, as medidas já entram em vigor imediatamente, mas precisam do aval da Câmara e do Senado em até 120 dias para não perderem validade. Uma MP trata do dinheiro que será repassado aos fundos garantidores. Outra, do dinheiro para ministérios.
E uma terceira visa garantir a compra de arroz e evitar impactos no preço ao consumidor, já que 70% do arroz brasileiro vem do RS. Em discurso, o presidente Lula (PT) informou que deve anunciar, nesta segunda-feira (13), o acordo para a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União. E na terça (14), medidas para as pessoas físicas afetadas.
As medidas anunciadas também estabelecem:
Para trabalhadores e famílias:
Para estados e municípios
Para empresas
Para produtores rurais
Foto: Reuters; AFP; Estadão Conteúdo