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SOBRE A CRÔNICA – ARMANDO AVENA

Redação - 08/03/2024 08:52

De vez em quando, aparece alguém querendo dissertar sobre o ofício de escrever crônicas. Então, fica-se a saber que existem crônicas narrativas e outras argumentativas; que há cronistas sociais e do cotidiano, literários e jornalísticos.  Acho meio cansativo essa necessidade de rotular e classificar tudo, prefiro ficar com o que dizia Fernando Sabino: “Crônica é tudo aquilo que chamamos de crônica”.

Num texto intitulado, “O exercício da crônica”, Vinícius de Moraes diz que “escrever prosa é uma arte ingrata” e não estava se referindo a prosa literária, longa como a vida, mas à  “prosa fiada como faz um cronista”, diariamente ou quinzenalmente como as que escreve este escriba.  O problema é que nem sempre o cronista encontra o assunto para a prosa fiada.

Machado de Assis dizia que se podia começar uma crônica por uma trivialidade: “Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjecturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace est rompue; está começada a crônica.”

Parece que Machado de Assis está em Salvador, onde está fazendo um calor descomedido, quase licencioso e, ao que parece, vai continuar além verão, o que já demonstra que as mudanças climáticas não são conversa para boi dormir. Aliás, sem ar-condicionado, nem os bois devem estar conseguindo dormir!

A essa altura, o leitor já percebeu que está faltando assunto a este astuto cronista, mas poupe-lhe os impropérios, afinal, nenhum escritor pode se considerar um cronista se não tiver escrito algum dia uma crônica sobre a falta de assunto.

Vinícius explicava passo a passo como nascia uma crônica. Pode-se, dizia ele, sentar-se diante da máquina de escrever e buscar um fato qualquer no noticiário matutino ou vespertino e daí sai a crônica. Ou, se nada encontrar, olhar em volta, fazer algum processo associativo e recorrer reflexivo a fatos e feitos de sua vida. Pode-se ainda recorrer ao assunto da falta de assunto que é o que estou fazendo agora, como já percebeu o leitor.

A verdade é que esse negócio de rotular as coisas não está com nada. Alguns dos maravilhosos textos de Michel de Montaigne, que todos catalogam como ensaios, são crônicas como a brilhante “Da ociosidade”, em que ele reflete sobre sua decisão de viver no ócio sem se preocupar com nada e aprende na Farsália que “na ociosidade o espírito se dispersa em mil pensamentos diversos”.

Mas afinal o que é uma crônica? Não sei, pode ser um relato, um diálogo, um comentário, uma confissão ou mesmo um estado de espírito. Mas acho que a crônica é conversa e conversa é um dos prazeres da vida. Aliás, é isto que estou fazendo neste momento com meu querido leitor, conversando.

Publicado no jornal a Tarde em 08/03/2024

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