Quando Art chegou em Salvador causou frisson entre as mulheres e arrepio entre os homens. Era um holandês de quase 1,90 de altura, com mãos enormes, feições másculas e uma frondosa cabeleira loura. Só de vê-lo, as mulheres – legítimas soteropolitanas de classe média plenamente liberadas – ficavam encantadas e, quando ele abria a porta do carro para que elas entrassem ou quando falava sobre sua infância em Amsterdam, não havia mais o que fazer – elas já estavam apaixonadas. Daí o frisson, o tremor involuntário nos lábios e, por vezes, um par de olhos verdes que não paravam de piscar.
Já o arrepio nos homens, tinha origem na reação das mulheres e na comparação explícita e desairosa que elas faziam questão de ressaltar. Mas a simpatia de Art superou esses arroubos masculinos e logo o holandês arregimentou uma legião de amigos que, muitas vezes, aproveitavam-se da sua capacidade de encantar o entorno feminino para tentar se apossar de um butim conquistado por outro.
Salvador também causou arrepio e frêmito em Art. Arquiteto, ele veio para trabalhar nas obras de recuperação do Pelourinho e ficou perdidamente apaixonado pela história, pelo patrimônio, pela cultura e pelo povo da cidade que ele qualificava como a Roma negra do Atlântico. E, por mais que homens e mulheres insistissem para que Art fosse morar próximo a eles, na Graça, Pituba ou nos novos condomínios de nomes sugestivos – como Nova Moscou, o mais badalado deles –, ele preferiu ficar morando no Pelô.
Foi então que Art abaianou-se! Morando no Pelourinho, conheceu os caminhos e descaminhos da cidade da Bahia. Bebia cerveja no Bar “O Tempo” para encontrar os intelectuais e discutir política; comia o sarapatel de Biu no Largo 2 de Julho; bebia todas na Cantina da Lua e ia até a kombi da Rua da Ajuda degustar uma maravilhosa feijoada. Dançava no cabaré Holiday, justo ali na subida da rua Chile, e apaixonou-se por todas as meninas do cabaré. E um dia, numa farra homérica no Cacique, foi batizado com um beijo no cangote por Jehová de Carvalho.
De repente chegou o Carnaval e a cidade se encheu de música e alegria. Foi então que Art desatinou. Descobriu que atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu; com um turbante preto, amarelo, vermelho e branco saiu cantando “Quero ver você Ilê Aiyê, passar por aqui”, apaixonado pelas deusas do Ébano; e, na segunda, participou do desfile de travestis no Palácio dos Esportes. Na terça-feira, os amigos foram encontrá-lo na Praça Castro Alves, pouco antes do encontro dos trios que ele dizia ser coisa de Deus. E deram de cara com Art, vestido de baiana, descendo em direção à praça do poeta, e cantando: “O que é que a baiana tem?”.
Após o carnaval, Art recebeu uma convocação para que voltasse imediatamente ao seu país. Respondeu, incontinenti: Não posso mais, eu quero é viver na orgia!
Publicado no jornal A Tarde em 09/02/2024
(Foto: Elói Corrêa)