Quem se aproximou da Praça Conde dos Arcos, no Comércio, na manhã desta sexta-feira (26) logo percebeu as faixas de advertência e o guindauto em operação. O início do dia foi de poeira e marretadas: foi o começo da demolição de partes do casarão que abrigou por mais de cem anos o tradicional restaurante Colon. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) e a Defesa Civil de Salvador (Codesal) são as responsáveis pela operação.
A laje e o terceiro pavimento do prédio desabaram no final da manhã de ontem (25). O imóvel vermelho de número 3 foi destaque por dois séculos na região, recebendo por 107 anos o Colon, que já foi citado por Jorge Amado na obra “O Sumiço da Santa”. Hoje, o prédio está tombado e, por isso, a demolição está sendo feita manualmente, para preservar o máximo possível da estrutura do século XIX. O processo deve ir até domingo, segundo a Codesal.
“Só está o funcionário içado com um caminhão munck. A princípio, vai ser demolida apenas a parte remanescente do terceiro pavimento. À medida que a demolição for avançando, nós vamos fazendo a avaliação de qual vai ser a necessidade de demolição”, diz Mahara Sampaio, engenheira civil da Codesal.
Também engenheiro da Codesal, Antônio Figueiredo afirma que, até então, os dois primeiros andares não oferecem riscos de desabamento, mas a avaliação vai continuar. Caso haja detecção de riscos, os proprietários serão notificados para manter as reparações em dia. Ele afirma que, para que a demolição siga de forma segura, os pontos comerciais vizinhos ao imóvel foram notificados previamente para que pudessem ajustar os horários de funcionamento. Nesta sexta, a Papel & Cia que fica ao lado do casarão fechou as portas mais cedo, por volta das 10h40.
Próximo ao prédio, observando com atenção, estava um homem que saiu de Valéria para o Comércio apenas para assistir à demolição. O rapaz, que trabalhou por muito tempo com construções e preferiu não ser identificado, disse que fez o deslocamento de 18 quilômetros para “ver e aprender”.
Aleksandro Barreto, de 42 anos, trabalha há mais de uma década em uma barraca próxima ao casarão e aproveitou o momento de descanso para acompanhar a operação. Na quinta, no momento do desabamento, ele estava almoçando em seu estabelecimento quando ouviu um estalo e, logo depois, viu a poeira tomar conta da rua. Segundo ele, há mais de um ano o local dava sinais de que iria ruir.
“Começou com uma rachadura na parede, então a Codesal colocou tapumes, que depois foram roubados e deixou a rachadura exposta de novo. Na quarta-feira de tarde foi quando começou mesmo a rachar mais e ruir. Se a Transalvador não tivesse fechado a rua um dia antes, a tragédia ia ser ainda maior, porque muita gente passa e estaciona seus carros por aqui”, diz.
Segundo Bruno Tavares, engenheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além da demolição, está em curso um processo de fiscalização em desfavor do proprietário do imóvel, para que ele promova a recuperação e a recomposição do edifício.
“Assim como em qualquer outro lugar da cidade, a responsabilidade pela conservação e pelo zelo com seu imóvel é sempre do proprietário. No caso da área tombada é a mesma coisa, mas existe uma responsabilidade maior do proprietário, pelo edifício ser considerado patrimônio cultural nacional”, afirma.
Ele explica que, por isso, a punição também se agrava em caso de danos ao imóvel, como o desabamento desta quinta. “A multa é calculada de acordo com o valor necessário para recuperar o imóvel. Então, permanece a obrigação de recuperar o imóvel e o pagamento de uma multa de 50% do valor do reparo, além das obrigações legais a que o proprietário está sujeito”, diz. Dessa forma, se a recuperação do imóvel custa R$100 mil, por exemplo, o proprietário arca com a restauração e paga R$50 mil de multa para a União.
Por pouco, o advogado Daniel Matos, 44, não se perdeu no emaranhado de poeira do desabamento. Como trabalha perto, está habituado a fazer esse mesmo caminho diariamente no horário de almoço, passou pela frente do casarão minutos antes do terceiro andar do prédio desmoronar. “Quando eu subi no escritório, me ligaram e falaram: ‘Daniel, o prédio do Colon caiu’. Eu fiquei assustado, olhei pela janela e vi que tinha caído o telhado. Pensei: ‘é, rapaz. Quase, quase’”, conta.
Ele afirma que vários casarões no bairro estão na mesma situação. “Na minha concepção, tem que ter um projeto para reformar antes que caia. Por que só faz depois que cai? E se, nessa queda, fere ou mata alguém?”, questiona. Segundo Bruno Tavares, essa fiscalização acontece constantemente, a exemplo do Projeto Casarões, da Codesal. “Nele, a prefeitura, através da Defesa Civil, acompanha a situação de risco dos imóveis tombados pelo Iphan não só no Centro Histórico, mas numa área um pouco mais ampliada. Então existe um planejamento, um programa de fiscalização que é constante e o Iphan busca também a responsabilização”, diz.
Crédito: Arisson Marinho/CORREIO