JOSÉ MACIEL DOS SANTOS FILHO (1)
Segundo o professor Xico Graziano, da FGV de São Paulo, o debate sobre desmatamento no Brasil, particularmente na Amazônia, tem sido marcado pelo simplismo e pela luta ideológica. O assunto merece uma discussão mais profunda , com apresentação de dados referidos aos biomas e às regiões territoriais do país.
Em março deste ano, em evento realizado na China para a promoção das exportações brasileiras, o presidente da Agência de Promoção das Exportações (APEX), Jorge Viana, afirmou que foram desmatados na Amazônia, nos últimos 50 anos, cerca de 84 milhões de hectares, sendo 67 milhões de hectares destinados para a pecuária, 6 milhões para culturas de grãos , sendo o restante categorizado como florestas secundárias. Viana não parece ter precisado o conceito de Amazônia utilizado em sua intervenção.
A plateia, constituída de executivos brasileiros e chineses ligados ao agronegócio, não reagiu bem aos comentários de Viana, e no Brasil , os setores ruralistas no Congresso registraram forte insatisfação com os números divulgados com excessivo destaque, sem a correspondente valorização da sustentabilidade ambiental do nosso agro, da nossa avançada legislação florestal e dos esforços de agropecuaristas e governos brasileiros na implementação de políticas der restauração florestal e de fomento de uma agricultura sustentável. A senadora Tereza Cristina mostrou-se bastante indignada com a referida palestra , ainda mais no contexto em que foi proferida, ou seja, num evento para alavancar exportações para o nosso maior cliente, a China, sem contar possíveis repercussões e ruídos para outros clientes importantes, como a União Europeia, que tem ameaçado boicotar nossas vendas externas do agro para os seus mercados. De que Amazônia o conferencista estaria falando no citado evento? Os números parecem discutíveis.
No tema do desmatamento, o que se quer é a revelação de números precisos e quais os biomas ou territórios correspondentes, além da menção a esforços importantes observados no Brasil, como os altos coeficientes de reserva legal e áreas de preservação permanentes , os programas de Agricultura de Baixo Carbono, de Sistemas Lavoura- Pecuária – Floresta, de plantio Direto, de tecnologias de poupança de terras, de restauração de florestas, e de controle biológico de pragas, dentre outros esforços.
Xico Graziano afirma que temos duas Amazônias no Brasil; a Amazônia “natural’, representada pela floresta tropical densa, ou seja , o bioma Amazônia; e a Amazônia Legal, que expressa um conceito territorial, administrativo , que inclui adicionalmente áreas de Cerrado e Pantanal, em estados como Mato grosso, Tocantins e Maranhão. O bioma Amazônia detém uma área de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, enquanto a Amazônia Legal abrange uma área de 5, 2 milhões de quilômetros quadrados, sendo, portanto, maior que o bioma Amazônia. Quando a divulgação dos dados se refere ao segundo conceito, é claro que os números incluem áreas de cerrado e do bioma pantanal, que têm permissão legal para explorar maiores proporcões de áreas de cultivo , já que seus coeficientes de reserva legal são menores No Cerrado, a Reserva legal é de 35% e no Pantanal é de 20%. Essa divulgação contamina a realidade dos fatos , dando a entender que os desmates no bioma Amazônia são proporcionalmente elevados. Na verdade, são áreas de cerrado, que são aproveitadas intensivamente para uso agrícola, mas com permissões maiores de aproveitamento estipuladas no Código Florestal , de 2012.
Os dados de Graziano , no período entre 1988 e 2019, revelam uma supressão da vegetação nativa de cerca de 428 mil quilômetros quadrados na Amazônia Legal, ou seja, 8,2% da área total desse território. Não é um exagero, em sua visão. Para o bioma Amazônia , a estimativa de seus estudos é de uma área desmatada de algo como 5% da superfície total do bioma. Também não é um número assustador. Porém , esses números podem estar subestimados, mas os números reais parece que estão abaixo dos citados por Jorge Viana na China. Ele destacou um coeficiente de desmatamento de 21% e , portanto , uma preservação de 79% da área da região em tela. É bem possível que os dados por ele revelados se refiram à Amazônia Legal. Se pegarmos os dados do Inpe para esta região, o coeficiente de desmatamento pode estar na casa dos 15,6%, nos nossos cálculos. Ainda assim, no agregado, não nos parece um número tão preocupante. De todo o modo, o desmate ilegal tem de ser combatido e a a nossa referência de permissão de áreas para cultivo deve ser o Código Florestal, que é uma lei avançada e com elevados coeficientes de reserva legal, exigência essa sem paralelo em termos mundiais.
Por outro lado , é importante saber quem são os agentes responsáveis pelos desmates na Amazônia. Em 2016, ano de pico de desmates, 35,4 % dos desmates se localizaram em terras privadas; 28,6% foram observados nos assentamentos de reforma agrária; 24% em terras devolutas; e , aproximadamente, 12%em áreas de unidades de conservação, que deveriam estar preservadas.
Diante do exposto, os produtores e pecuaristas não são os únicos autores dos desmates, que se verificam também em outras áreas , a exemplo dos assentamentos. Por seu turno, os números citados por Jorge Viana podem estar,em princípio, superestimados. Independente do local desse debate, é preciso que a discussão considere os números e territórios precisos e não contenha qualquer eventual consideração de ordem ideológica, valorizando ao mesmo tempo e detalhadamente os esforços de agropecuaristas, parlamento e governos na direção de uma agricultura sustentável, incluindo legislação em vigor e programas de restauração florestal e práticas sustentáveis em curso no Brasil.