De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 90% das empresas têm perfil familiar. Esse número corresponde a mais da metade do PIB brasileiro, e as empresas familiares são responsáveis pela geração de emprego de mais de 75% da mão de obra no País. Os números expressivos são interessantes, mas ainda de acordo com pesquisas, o Banco Mundial analisa que apenas 15% dessas empresas familiares chegam à 3ª geração. E eis que surge uma grande questão, quais são as estratégias para manter a saúde e os pilares bem-sucedidos?
Para responder essa pergunta, Carol Zein, empresária e porta-voz da Mamita, traz alguns pontos interessantes que podem nortear quem está passando por um momento de crise.
O primeiro passo. Quando assumir os negócios da família?
1 – Carol, quando foi que você sentiu que era hora de assumir o negócio da sua família?
Acredito que podemos olhar esse assunto sob duas perspectivas, a emocional e a profissional. No início, eu não queria trabalhar com a empresa. Principalmente por receio de trabalhar em família, eu costumava ver muito a empresa entrando na minha casa, mesmo que tenham sido sempre muito tranquilos. Também tinha minha questão profissional, eu gostaria de trilhar meu próprio caminho, descobrir o que eu gostaria de fazer por mim, e nunca houve pressão dos meus pais para que eu seguisse na Mamita, por mais que os familiares sempre perguntassem.
Então sempre trabalhei enquanto estava na faculdade, me formei em 2012 em publicidade e propaganda e segui na área até 2018, nesse período tive uma experiência no exterior também, que foi bem importante para a minha carreira. E aí em 2016 meu pai foi diagnosticado com câncer. Como eu falei, por parte dos meus pais nunca houve pressão para que eu assumisse a Mamita, mas com meu pai doente eu acabei parando para pensar novamente sobre o assunto, e coincidiu de ser uma época em que minha carreira estava um pouco instável e eu estava um pouco cansada. Em casa, meus pais diziam que eu tinha muito perfil de dona, de pegar as coisas para fazer e resolver tudo, achavam que eu me daria bem na Mamita.
Eu sabia que tinha um pensamento muito diferente do meu pai, e pensei muito em como eu poderia acabar tendo mais conflitos com ele caso trabalhássemos juntos, foi uma decisão difícil para mim. E eventualmente eu sentei para conversar com ele, quando falei que eu estava disposta, eu acho que eu estava pronta para assumir a Mamita, ele ficou muito feliz na hora, e nesse momento eu tive certeza da minha decisão. Olhando para trás eu consigo ver que é o lugar onde eu mais aprendi, minha carreira decolou e eu aprendi a me apaixonar pelo negócio.
Não existe um momento certo, uma receita de bolo. O momento certo sempre será aquele que estrategicamente traga resultados, e o mais importante de todos, quando você sente no coração que foi a melhor decisão tomada e que você vai dar o seu melhor todos os dias para fazer acontecer.
2- E você sente que separa bem seu papel como filha e executiva da Mamita? Como separar os papéis pessoais e profissionais? Como você administra essas tarefas?
Como eu mencionei, eu e meu pai, tínhamos muito conflito sobre como a gente queria seguir a empresa. E muitos desses conflitos eram por sermos iguais, então combinamos de não passar para dentro de casa o trabalho. Ajudou bastante não morar mais com eles também, quando entrei para a empresa, eu já morava com o meu marido, então não tinha essa parte de ir para casa e falar sobre trabalho. E quando a gente estava em almoço ou se encontrava, não falávamos sobre esse tópico. Como a área que assumi tinha mais relação com marketing e inovação, eu tentava trazer para ele essa parte nova, sempre falava que se ele investiu nos meus estudos e profissionalização, ele precisava acreditar na minha posição como profissional, mesmo que às vezes pudesse divergir da dele. E do lado da minha mãe, sempre fomos muito alinhadas. Mas precisávamos unir a experiência deles na Mamita com a minha do mercado, para ter sempre equilíbrio, mas cada um mantendo seus papéis.
3- A Mamita está há 30 anos no mercado, ao que você atribui o sucesso da marca?
Nem sempre foi um sucesso, em alguns momentos tivemos que dar um passo para trás antes de evoluir. Quando eu tinha um ano de idade, a empresa teve uma ascensão, tivemos uma fase muito ruim onde a gente faliu por falhas na administração, fechamos as portas e abrimos novamente. Isso foi mais ou menos em 2004/ 2005, onde nem a minha mãe trabalhava na empresa, ainda.
Meu pai era muito bom comercialmente, mas outras coisas também contam em uma empresa. Ele sempre foi muito dedicado, esforçado, inteligente e dinâmico, mas ele tentava fazer algumas coisas na área administrativa de uma forma não muito estratégica.
Quando a minha mãe entrou nessa parte administrativa foi quando começou a engrenar. O principal disso foi que eles colocaram o pé no chão, cortaram os gastos total, e começaram tudo de novo, e com cautela, e a empresa foi crescendo. No começo, meu pai estava meio traumatizado, ele nunca deixou a empresa crescer, crescemos tanto que de sete funcionários fomos para trinta.
Foi então que minha mãe marcou uma consultoria para reorganizar a parte financeira. Se a gente não colocar a vida financeira como prioridade, não tem como progredir, contratamos um sistema mais robusto, abrimos novas áreas, contratamos mais pessoas para trabalhar nessa parte administrativa – porque antes era só minha mãe, meu pai e mais uma pessoa. Aí eles deixaram essa parte administrativa mais robusta para dar conta do crescimento.
5- Quais as maiores vantagens e desvantagens em uma empresa familiar? E qual a solução para as dificuldades?
A principal vantagem de se trabalhar em família é a confiança nas tomadas de decisões, principalmente por termos os mesmos valores e crenças. Conhecer a fundo quem são as pessoas que lideram e tomam as principais decisões, ajuda muito no dia a dia.
Outra vantagem é a resiliência nos momentos de crise. Geralmente em momentos ruins da empresa, funcionários e membros da equipe preferem buscar oportunidades melhores, porque claro, precisam de melhorias financeiras ou vão em busca de sonhos. No entanto, em família o compromisso de fazer tudo dar certo é maior e naturalmente os esforços são maiores.
Trabalhar em família, no nosso caso, torna o ambiente mais harmonioso e menos pressão por resultados rápidos. Não porque você terá um crescimento facilitado, mas sim porque as funções são compartilhadas com mais facilidade.
Além de todas as vantagens, no meu caso, eu percebo que o meu crescimento profissional é rápido, pois acabo participando e sabendo de muitas áreas ao mesmo tempo. Você tem uma visão mais macro do negócio. Gestão de pessoas, financeiro, marketing, comercial, compras, etc.
Acredito que a principal desvantagem é que as conversas profissionais acabam ultrapassando o local de trabalho. Em um aniversário de final de semana, num restaurante, ou em outros ambientes sociais, naturalmente a gente acaba falando de trabalho. Nós aprendemos diariamente a separar e quando nos damos conta que estamos conversando sobre trabalho logo falamos “segunda-feira a gente conversa sobre isso” ou “no escritório a gente fala melhor sobre”. O mesmo acontece quando transferimos problemas pessoais para dentro da empresa. É normal em toda família ter desentendimentos pessoais, e apesar de, no nosso caso, esses momentos serem raros, acaba acontecendo. Nesse caso, se há uma discussão fora do âmbito profissional, sempre temos que separar o deixar o “ego” de lado para isso. E claro, depois resolvermos da melhor forma possível.
Outra desvantagem que acontece com muita frequência, é misturar fluxo de caixa da empresa com o dinheiro para despesas pessoais. Esse foi um grande erro cometido no passado, e ao separarmos, nós crescemos e tivemos muito mais controle sobre o nosso negócio. Foi uma das peças chaves para nossa evolução.
Ter muita intimidade pode também ser um problema. Já que muitas vezes você acaba sendo injusto ou deixando o erro de lado, porque ama muito aquela pessoa. É o famoso “passar pano”. A intimidade também pode acarretar num desrespeito na hora de falar algo, porque “ela me entende, sabe que é meu jeito, não falei por mal” ou pior ainda, discutir na frente de outros membros da empresa. Por isso é importante separarmos bem as funções de cada um, termos metas pré estabelecidas e principalmente respeito, independente da intimidade que se tem.
6- Como administrar as questões pessoais e profissionais no ambiente de trabalho?
No início, a gente misturava muito questões pessoais com as profissionais. Não só em conversas, mas até mesmo na parte financeira. Nós percebemos que era muito desgastante para todos e decidimos minimizar o máximo possível essas questões.
Então além de separarmos o financeiro da empresa do financeiro pessoal, cada um tem sua função, seu cargo, suas atividades, seu salário. Claro que uma sempre auxilia a outra, pede conselho, isso é normal. Mas nós realmente temos tarefas e times pré estabelecidos e uma não interfere na outra. Além disso, nós temos um organograma pré estabelecido.
Fazendo essas coisas, nossa relação tanto profissional quanto pessoal melhorou muito! Não basta só não falar de trabalho em casa, uma não pode interferir no trabalho da outra e deve-se ter confiança e diálogo para não ter desgaste da relação, já que estamos muito tempo juntos e é natural isso acontecer.
7 – Qual foi a maior lição que você aprendeu nesses últimos anos trabalhando em família?
Eu acho que eu amadureci muito, tanto no lado profissional como no pessoal. A Mamita tem sido uma escola para mim. Aprender a me relacionar melhor com as pessoas, ter mais resiliência, crescimento profissional.
Eu comecei trabalhando em processos internos, entendendo a cultura da empresa, conhecendo as pessoas, a tratativa com os funcionários, clientes e quando fui ver, eu me dei conta que nada nos ensina mais do que experiência de fato, aquele aprendizado “na raça”.
8 – Você acredita que a pressão é maior trabalhando em família?
Eu acredito que são pressões diferentes do que de quem é CLT. Não consigo definir como maior ou menor. As minhas decisões, assertivas ou não , interferem demais no desenvolvimento da empresa e isso é uma grande pressão. Tem também a pressão de continuar e alavancar o legado que meus pais construíram, colaboradores e famílias que dependem da empresa.
9 – Quando precisa alinhar expectativas ou até mesmo chamar atenção de algo, como abordar da melhor forma?
A peça chave para o alinhamento de expectativas é a comunicação clara, direta, contínua e respeitosa. Conversas mensais com feedbacks são fundamentais para estarmos sempre na mesma página. Isso vale tanto para relação de líderes e liderados, como pares, e até mesmo na minha relação entre sócios.
Deixar claro que todas as decisões são tomadas pensando na empresa e não para mim, Carol, e que qualquer “chamada de atenção” não tem nenhum viés pessoal e sim profissional. Eu exerço papel de líder e não de chefe ou de dona.