A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de terça-feira (13), um projeto de lei que altera a Lei das Estatais. A medida repercutiu mal no mercado de capitais
– e fez despencar as ações da Petrobras e do Banco do Brasil na bolsa nesta quarta.
1. O que é a lei das estatais?
A Lei das Estatais foi aprovada em 2016 durante o governo Michel Temer, tem como principal objetivo barrar possíveis ingerências políticas que possam prejudicar o desenvolvimento das companhias. Um dos pontos mais relevantes da legislação proíbe que o governo indique para a diretoria ou conselho de administração de estatais e agências reguladoras pessoas que tenham atuado nos três anos (36 meses) anteriores como integrante de instância decisória de partido político ou tenha feito trabalho vinculado a alguma campanha eleitoral.
2. O que pode mudar na lei?
O projeto de lei ainda precisa ser aprovado pelo Senado, e sancionado pelo presidente, e não há prazo para isso acontecer. Mas, se entrar em vigor, a lei vai reduzir para 30 dias o período de ‘quarentena’ para os indicados a cargos nas estatais.
3. Qual o receio do mercado?
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, o temor é que as alterações na lei aumentem os riscos de interferência política no comando das empresas de economia mista que têm o Estado como controlador ou acionista majoritário. Segundo Filipe Villegas, estrategista-chefe da Genial Investimentos, para além da cautela com interferência política, a decisão da Câmara leva ao mercado uma “sensação de insegurança jurídica pela forma como o projeto foi aprovado, no meio da noite”, o que aumenta os receios sobre a estabilidade do país no longo prazo.
4. Isso já ocorreu antes?
O mercado financeiro sempre se mostra cauteloso quando há sinais de ingerência política. No primeiro semestre de 2022, quando houve uma grande troca de cadeiras no comando da Petrobras em meio a uma busca do governo de Jair Bolsonaro por um nome que fosse mais alinhado aos seus objetivos, as ações da companhia viveram um período de instabilidade nos preços. A situação agora é parecida: com o medo por possíveis interferências políticas, o mercado também reagiu negativamente, derrubando a cotação das ações nesta quarta.
5. Quem se beneficia da mudança?
O blog da Ana Flor no g1 afirma que a mudança na Lei das Estatais é um desejo antigo do Centrão. A aprovação do texto, aliás, ocorre em um momento crítico para o grupo: nesta quarta, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar a constitucionalidade das emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”. Tiago Feitosa, professor da T2 Educação, destaca que a alteração na lei beneficia a todo o Centrão e qualquer partido que possa, eventualmente, indicar alguém a um cargo em estatais. Por isso, nomes dos mais diversos vieses votaram a favor do afrouxamento da lei: a dos deputados bolsonaristas Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro aos nomes mais alinhados ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
6. Por que as ações das estatais são afetadas?
Ricardo Hammoud, professor de Economia do Ibmec, lembra que Petrobras e Banco do Brasil, principais estatais listadas em bolsa, são empresas de economia mista – que, apesar de ter o governo como principal sócio, também têm milhares de outros investidores minoritários. E são esses acionistas que fazem o preço das ações cair. “Os acionistas ficam assustados porque uma possível ingerência pode levar a empresa a focar sua ações pensando no governo, deixando os outros investidores desprotegidos. Vale pontuar que uma estatal não pertence ao governo da época, e sim ao Estado”, destaca o professor.
7. Petrobras: cautela do mercado é com o longo prazo
Hammoud explica que, quando uma empresa estatal abre capital, ou seja, se torna disponível para que outras pessoas além do governo tenham suas ações, ela deve passar a olhar, também, para os interesses dos acionistas – que se tornam donos de um pedaço daquela companhia. Se as decisões da gestão da empresa colocam os interesses e direitos dos acionistas em risco, ela pode ser acionada judicialmente e, além disso, os próprios investidores deixam de alocar seus recursos ali.
“Para uma estatal de capital aberto fica mais barato conseguir dinheiro. Assim, com os investimentos que a empresa recebe, ela consegue investir no seu próprio desenvolvimento e, por isso, é importante ter uma gestão eficiente, que faça escolhas inteligentes para trazer benefícios para a empresa e não apenas para o governo do momento”, comenta. Filipe Villegas pontua, também, que o medo dos investidores é que a mudança na Lei das Estatais abra espaço para mudanças no comando da Petrobras com pessoas que tenham mais preocupações políticas do que técnicas.
Ele explica que um investimento estratégico para o governo no curto prazo pode não ser bom para a empresa no longo prazo, o que impactaria justamente o desempenho da companhia e os resultados entregues aos acionistas. “O maior acionista da Petrobras é o próprio Estado. Então uma política equivocada na Petrobras pode acabar gerando, no longo prazo, menos arrecadação para o próprio governo, que terá menos recursos provenientes da distribuição dos lucros”, explica Villegas.
8. Banco do Brasil: inadimplência e inflação são preocupações
Segundo Villegas, o maior medo do mercado com as mudanças propostas para Lei das Estatais no que diz respeito ao Banco do Brasil é que uma possível mudança na gestão da instituição possa provocar um aumento expressivo no número de empréstimos. “Se uma nova gestão utilizar o Banco do Brasil para fomentar a liberação de crédito isso pode criar uma anomalia no setor bancário porque um banco privado não vai conseguir chegar aos mesmos patamares oferecidos pelo banco público”, afirma o estrategista.
Além disso, tanto Villegas quanto Hammoud destacam que muitos empréstimos podem aumentar os níveis de inadimplência e trazer como consequência uma nova pressão inflacionária para o país, que ainda não se recuperou totalmente da escalada nos preços vivida, sobretudo, nos últimos dois anos. Em nota, a Moody’s, empresa que classifica riscos de crédito, diz que o anúncio da mudança na Lei das Estatais é negativa para os bancos públicos porque “pode elevar os riscos de governança dessas instituições uma vez que a intervenção política pode impactar suas estratégias de negócios e geração de resultados”.
“Apesar de haver uma indicação clara de que o novo governo aumentará a concessão de crédito por meio dos bancos públicos no Brasil, essas instituições têm forte capitalização no momento para apoiar essa estratégia. No entanto, o risco de conceder crédito com taxas mais baixas que os preços do mercado poderia resultar em pressões de rentabilidade em meio a um cenário de aumento do risco de crédito de 2023”, diz a nota.