O diagnóstico do gabinete de transição sobre o estado da política externa que o governo Jair Bolsonaro deixará para o terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva inclui informações preocupantes sobre as dívidas do Brasil com organismos internacionais, que somam R$ 5,5 bilhões.
O país está no vermelho na ONU, onde ocupa atualmente uma vaga rotativa no Conselho de Segurança (o mandato é de dois anos e termina no final de 2023), no Tribunal Penal Internacional (TPI) e na Organização Mundial do Comércio (OMC), em uma lista de 43 organizações multilaterais.
As mesmas fontes confirmaram que o recado dado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o assunto foi de que este ano o país não conta com recursos para honrar seus compromissos. As dívidas, confirmaram fontes diplomáticas, começaram a se acumular no governo Dilma Rousseff, mas cresceram de forma expressiva durante a gestão de Bolsonaro. Na campanha presidencial de 2018, o presidente, em sintonia com o americano Donald Trump, questionou a presença do Brasil em foros multilaterais, aos quais o país foi deixando de pagar suas contribuições obrigatórias.
Apesar de pedidos feitos pelo Itamaraty, o Ministério da Economia sinalizou recentemente que não efetuará os pagamentos mínimos devidos, que somam R$ 1 bilhão, informou o gabinete de transição. “Além de abalar a credibilidade do país, a inadimplência do Brasil levará à aplicação de sanções, incluindo a perda de voto em órgãos de governança”, diz uma nota divulgada pelo gabinete de transição.
TPI, FAO e Unesco
As dívidas mais urgentes listadas pelo grupo que trata da política externa do novo governo incluem US$ 302 milhões ao sistema ONU. Segundo carta do Secretariado da ONU de 17 de novembro, caso não quite ao menos US$ 84,4 milhões até 31 de dezembro, o Brasil perderá o direito de voto na Assembleia Geral em 2023.
Segundo o gabinete de transição, a “eventual aparição do país em lista de Estados-membros sujeitos à perda de voto” teria “consequências inestimáveis” à imagem do Brasil, membro fundador da ONU e que, em 2023, continuará em assento não permanente no Conselho de Segurança.
No TPI, onde o Brasil é o nono maior contribuinte, o país aparece como o maior devedor (48,44% do total devido ao tribunal). As dívidas somam um total de € 22 milhões. Na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), ao quitar, em fevereiro passado, o remanescente da dívida de 2019, o Brasil recuperou o direito a voto, que perdera no fim de 2021, por débitos acumulados. Se não quitar a dívida de 2020 (US$ 7,6 milhões e € 5,5 milhões) e pelo menos parte da contribuição de 2021 até 31 de dezembro de 2022, o país poderá ficar de novo sem voto.
Na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil é o 10º maior contribuinte, responsável por 2,6% do orçamento, e hoje o segundo maior devedor: US$ 12 milhões e € 2,8 milhões. O Brasil ocupa hoje a Presidência da Conferência Geral da Unesco no biênio 2022-2023. Segundo o gabinete de transição, se o país ficar em atraso por mais de dois anos, a partir de 1º de janeiro de 2023, perderá o direito de buscar reeleição ao Conselho Executivo, principal órgão decisório da organização, “no qual o Brasil nunca deixou de ser reeleito” desde 1946.
Recomendação para pagar
Além disso, perderá direito a voto na 43ª Conferência Geral, em novembro de 2023, presidida pelo Brasil. Para evitar as punições, o país deverá quitar os US$ 8,3 milhões da dívida de 2021 e pelo menos parte da contribuição de 2022 até o final do ano, informou o gabinete de transição.
Na OMC, apesar de ter pagado parte de sua contribuição em maio, o Brasil ainda tem dívida e poderia ser alvo de sanções administrativas, entre elas o veto a ter representantes nomeados para presidir órgãos da organização. Na Organização Mundial da Saúde, as pendências atingem US$ 18,5 milhões e 20,8 milhões de francos suíços. Se não puser as contas em dia, o Brasil poderá perder o direito de voto na 76ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2023.
“O GT recomendará ao Governo Lula que assuma o compromisso de equacionar as dívidas do Brasil junto a organismos internacionais, o que deverá ser negociado tendo presente a situação fiscal do país”, disse o gabinete de transição.