Em 10 anos, o número de profissionais que se tornaram pessoa jurídica, através do programa Microempreendedores Individuais (MEI), cresceu 566% em Salvador.
O programa foi criado em 2008 para tentar garantir aos profissionais que viviam na completa informalidade, alguns direitos como aposentadoria e afastamento do trabalho por doença. A ideia do governo federal era atingir 3,6 milhões de trabalhadores. As expectativas foram atingidas em todo o país, onde a informalidade cresceu na última década. Só em Salvador, 28,7 mil notas fiscais foram emitidas por MEIs em 2011. Pouco mais de uma década depois, de janeiro até 26 de setembro deste ano, 592,8 mil notas foram geradas – 90% do total de todo o ano passado, quando 655,7 mil microempreendedores estavam na ativa.
Quando deu início aos trabalhos na sua confeitaria há três anos, Ingrid Nascimento, 23, decidiu abrir o MEI como forma de passar uma imagem mais profissional aos clientes. A categoria não inclui somente os donos de pequenos negócios, mas uma diversidade de trabalhadores como vendedores de queijinho de praia, baianas de acarajé, corretores de imóveis. Em tese, qualquer profissional sem carteira assinada pode ser um MEI, mas existem regras para aderir ao programa. “Eu fiz o MEI assim que comecei na confeitaria para me regularizar e ser uma espécie de autoridade. O MEI passa confiança e profissionalismo para quem compra os produtos”, acredita Ingrid.
Formada em auxiliar de veterinária, ela nunca exerceu a profissão com carteira assinada e se encontrou profissionalmente no universo dos doces como microempreendedora individual. A jovem é responsável por todo o trabalho de produção dos cookies, divulgação no Instagram (@ingridcookies), atendimento aos clientes e entrega, que ocorre por meio de aplicativos. “Apesar das dificuldades em empreender, é muito gratificante ter o próprio negócio, suas próprias responsabilidades e fazer algo do seu jeitinho”, defende.
O que é MEI?
Para saber quem pode ser MEI, basta preencher requisitos como o trabalho autônomo e o faturamento anual limite de R$ 81 mil. Esse trabalhador autônomo, ao ser cadastrado, contribui para a previdência social e tem acesso a direitos como aposentadoria por idade ou invalidez, salário maternidade e pensão por morte. Mensalmente, o MEI paga R$ 66,60 para manter o CNPJ ativo.
De acordo com o o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os trabalhadores informais cresceram 15,4% no primeiro trimestre deste ano na Bahia, em comparação ao mesmo período de 2021. São 3,2 milhões de pessoas na situação.
Para Renata Dutra, doutora em Direito e professora de Direito do Trabalho na Universidade de Brasília (UNB), o crescimento da participação dos MEIs na economia não significa aumento da quantidade de brasileiros que abriram pequenas empresas, mas três contextos socioeconômicos: o desemprego – realidade de 1,1 milhão de baianos, segundo o IBGE -, o avanço da lógica do empreendedorismo – por meio da lógica do “cada um por si” – e as fraudes contratuais.
“Ao criar o MEI, o trabalhador passa a ser uma pessoa jurídica que pode melhor operacionalizar sua atividade e inclusive sua inserção previdenciária. Acontece que também pode estimular uma forma de inserção no mercado de trabalho que é precária e colocar o trabalhador vulnerável em uma condição incompatível com suas condições materiais, já que para empreender, é preciso ter capital. Além do que, abre margem para que vínculos que deveriam ser de emprego sejam formalizados como MEI”, explica Renata.
Quando completou 18 anos, Juliana Lima, 26, abriu o MEI. A adesão foi escolha do pai dela, que temia pelo futuro da filha, já que via a diminuição da contratação de pessoas com carteira assinada. Profissional autônomo, ele se tornou microempreendedor individual em 2008. “Ele achava interessante que eu contribuísse, para ter expectativa no futuro a partir do que observou no mercado”, contou.
Desde então, Juliana mantém a carteira de trabalho sem assinatura, embora preste serviços para uma empresa. “De certa forma, isso nunca me frustrou, porque o MEI, para mim, era um certo tipo de garantia e acesso a benefícios”, comenta ela, que enxerga dois lados da moeda do contrato por MEI. O primeiro é a possibilidade de prestar serviços para diferentes empresas e, mesmo sem ser contratada via CLT, acessar planos de saúde empresariais e ter a perspectiva de aposentadoria no futuro. O segundo lado desta moeda trabalhista é o fato de ela ver o MEI como “uma realidade que se impôs” a alguns trabalhadores que, na verdade, “são empregados fixos, que batem ponto, em horário comercial, não prestadoras de serviço”. ( Correio)
Foto: divulgação
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