Enquanto os trabalhos da equipe de transição ainda engatinham e Luiz Inácio Lula da Silva não define quem serão seus ministros, integrantes de grupos temáticos têm travado uma intensa disputa de bastidores por espaço, com quedas de braço veladas por protagonismo.
O pano de fundo é a tentativa de aliados do presidente eleito de se cacifarem para assumir postos-chave na nova gestão. A competição não se dá apenas nas áreas com orçamento robusto, mas também em pastas que geram visibilidade e dividendos políticos, como Meio Ambiente, Cidades e Cidadania. O interesse, em alguns casos, é ter uma vitrine que possa alavancá-los para futuras disputas eleitorais.
A movimentação é fomentada pela ausência de Lula. Em viagem ao exterior, o petista passou os últimos dias no Egito, participando da Conferência das Nações Unidas para o Clima, a COP-27, e ontem desembarcou em Portugal, de onde só volta amanhã. Enquanto isso, aliados no Brasil aguardam sinalizações sobre formação do novo governo. Contribui para o ambiente de incerteza a estratégia do presidente eleito de tentar ampliar sua base aliada no Congresso, chegando a pelo menos 16 partidos.
No grupo de Cidades, por exemplo, há uma disputa por protagonismo entre dois possíveis candidatos à Prefeitura de São Paulo em 2024: Márcio França (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL). A pasta será responsável por programas importantes, como o Minha Casa Minha Vida, e por isso é considerada com boa visibilidade política. Ontem, Boulos evitou tratar sobre a disputa com o PSB. Ao falar com jornalistas, destacou que sua proposta é desenvolver, na nova pasta, políticas públicas voltadas para moradia popular, área em que milita como coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
— A proposta que nós vamos apresentar, e essa decisão é do presidente Lula, é devolver ao Ministério das Cidades a política urbana como protagonista: 85% da população brasileira vive em cidades— disse Boulos. No núcleo de Justiça e Segurança Pública, a equipe está dividida sobre a separação das duas áreas em ministérios diferentes. Favorito para comandar a pasta no formato atual, o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) trabalha para que os temas fiquem na mesma estrutura. Assim, teria mais poder e projeção dentro do governo. A articulação se dá apesar da promessa de Lula de repartir, num aceno a policiais.
Como informou a colunista Bela Megale, a maioria dos integrantes da equipe de transição é favorável à divisão da pasta. Entre esses nomes estão os advogados de Lula Cristiano Zanin e Luiz Carlos Rocha, o coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio Carvalho, e o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). O argumento é que o desmembramento seria um gesto importante sobre o tema da segurança pública, além de reproduzir o modelo que já existe nos estados. Na prática, a divisão criaria mais uma vaga no primeiro escalão de Lula. — Não tem um consenso. Ao contrário, há um dissenso, mas quem decidirá será o presidente Lula — disse ao Globo Marco Aurélio Carvalho.
A expectativa entre aliados era que a viagem de Lula à COP27 servisse para que ele definisse ao menos um dos ministérios: o de Meio Ambiente. Mas o suspense foi mantido, o que também proporcionou uma disputa velada entre as duas mais cotadas para assumir o posto: as ex-ministras Marina Silva e Izabella Teixeira. Segundo aliados relataram à colunista Malu Gaspar, ambas buscaram se cacifar politicamente durante a conferência do clima, procurando demonstrar protagonismo entre os ambientalistas.
As duas ex-ministras têm um histórico de atritos, que ficaram evidentes na campanha eleitoral de 2014. Na época, Marina acusou a então presidente Dilma Rousseff de representar um “retrocesso” na área do desenvolvimento sustentável e acusou a gestão petista de ser “conivente” com o desmatamento na região amazônica – na prática, uma estocada em Izabella, que era a ministra.
Na área social, a disputa velada é para impedir que a senadora Simone Tebet (MBD-MS), que ganhou projeção na campanha presidencial após ficar em terceiro lugar, assuma o Ministério da Cidadania, pasta responsável pelo pagamento do Bolsa Família. Parte da resistência vem da sua própria sigla, que não quer que a indicação seja incluída na cota do MDB. Há ainda a concorrência da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também deseja ocupar um lugar de destaque em uma pasta relacionada ao tema Por ter conduzido o partido enquanto Lula esteve preso, Gleisi deve estar bem posicionada na Esplanada.
Até o momento, contudo, é na área econômica onde há mais incertezas no futuro governo. Lula quer um político de confiança na Fazenda para ter mais condições de negociar com o Congresso. Neste sentido, são cotados nomes do próprio PT como Fernando Haddad, Wellington Dias e Alexandre Padilha. Os três evitam abordar o tema publicamente, mas se apresentam como opções para comandar o ministério.
Haddad corre na frente pelo posto da Fazenda nas bolsas de apostas da transição, mas ainda precisa superar resistências do mercado financeiro. Dias, por sua vez, tenta se cacifar ao negociar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, monstrando desenvoltura ao dialogar com líderes partidários no Congresso. Enquanto isso, Padilha, que foi escalado para analisar os dados da Saúde na transição, tenta estreitar pontes com agentes econômicos. Sobre sua atual posição, já afirmou que “jogo é jogo e treino é treino”. Entre os aliados de Lula, a expectativa é que caso um desses nomes seja o escolhido, a pasta do Planejamento seja ocupada por um nome mais palatável pelo mercado, como Pérsio Arida, economista liberal que coordena a equipe econômica ao lado de nomes do PT.
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