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NORDESTE É UMA DAS REGIÕES MAIS IMPORTANTES NAS ELEIÇÕES. ENTENDA POR QUE.

Redação - 29/10/2022 07:04 - Atualizado 29/10/2022

Lula precisa ampliar a vantagem, enquanto Bolsonaro quer diminuir a distância; apesar da tendência de votos na mesma direção, especialistas alertam que não há nada de homogêneo no Nordeste.

Nem precisa buscar muito. Você já deve ter visto que, nos últimos dias, as redes sociais de muita gente foram inundadas com símbolos do Nordeste. Em cards estilizados com mandacarus, chapéus de vaqueiro e estilo de cordel, as mensagens são diretas. “Vote como um nordestino”, pregam uns; “sou nordestino e voto em fulano”, dizem outros. “Orgulho de ser nordestino e escolher o número tal” e por aí vai.

Nos canais de televisão, no rádio e na internet, quase todos os jornalistas e analistas políticos têm dito com frequência que os olhares estão sobre o Nordeste. Apesar do que alguém mais desavisado poderia achar, não foi de uma hora para a outra que o voto dos nordestinos se tornou um dos principais ativos desta eleição presidencial, neste domingo (30).

Os resultados que sairão tanto das urnas da Bahia quanto dos outros oito estados da região devem ter peso para influenciar diretamente o resultado da eleição: podem tanto garantir a vantagem necessária para vitória de Lula (PT) quanto reduzir a diferença entre os candidatos, o que ajudaria Jair Bolsonaro (PL) a vencer.

“O Nordeste virou um motivo de muita atenção e a gente tem percebido que o voto da região tem se distanciado da maioria do país. Isso não é algo que acontece da noite para o dia”, diz a professora Luciana Santana, doutora em Ciência Política e docente do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Para ela, não há como negar a força política da região. Tanto é assim que, em muitos contextos, seus integrantes se unem – esse foi o caso, inclusive, do Consórcio Nordeste, uma autarquia que foi fundada em 2019 justamente para promover o desenvolvimento conjunto dos estados.

“São nove estados com representação no Congresso Nacional, é praticamente um terço do país. Por isso, são estados que afetam as decisões políticas nacionais e, de alguma forma, podem contribuir com a força e com seu eleitorado”, acrescenta a professora.

Na avaliação do professor Samuel Barros, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, porém, é temerário afirmar que o Nordeste é responsável por eleger ou deixar de eleger qualquer um dos candidatos. De fato, os votos que vêm do Nordeste são decisivos – mas não mais do que os de todos os outros estados. “O que acontece  é que o Nordeste é uma região densa, do ponto de vista populacional, e tem feito escolhas, nas últimas eleições, em um determinado sentido”, explica.

Ou seja: o equilíbrio dos votos entre as regiões é importante. Atingir um determinado percentual de preferência no Sudeste, por exemplo, também é um feito que nenhum dos candidatos pode desprezar, se quiser ganhar. No Sudeste, inclusive, Lula quase alcançou o mesmo número absoluto de votos que no Nordeste – foram 21,03 milhões de eleitores lá contra 21,75 milhões aqui.

Em compensação, Bolsonaro teve 23,47 milhões de votos no Sudeste contra 8,78 milhões no Nordeste. “O Nordeste virou palco de batalha em função de uma matemática que Bolsonaro fez. Ele percebeu que a viabilidade eleitoral dele depende necessariamente de aumentar o percentual dele de votação aqui e também os votos absolutos. Para ter viabilidade eleitoral, ele entendeu que era necessário fazer um esforço maior de campanha aqui”, explica Barros.

Colocar todos os nordestinos no mesmo bolo, porém, é questionável. Seria possível, assim, falar em um voto do Nordeste? Para Samuel Barros, essa leitura é ampla demais. Nas capitais e regiões metropolitanas, por exemplo, ele considera que há comportamentos levemente diferentes.

“O que me parece que dá para fazer uma afirmativa em geral é que o voto do Nordeste é menos ideológico. É um voto que se orienta muito por preocupações com determinadas políticas do estado brasileiro”, explica.

Essas escolhas não seriam ideológicas ou partidárias porque não é incomum que eleitores dos nove estados votem em governadores e deputados de partidos diferentes do que votam para presidente. Não quer dizer, porém, que seriam votos sem consciência das políticas públicas que os nordestinos consideram que são importantes. Em outras regiões do país, Barros vê mais indícios de voto ideológico, com menos preocupação com políticas substantivas. De acordo com o professor, os eleitores nordestinos, em sua maioria, votam por um estado atuante quanto às políticas sociais de redução de desigualdade, combate à fome e à seca. É um gesto que teria origem na própria formação histórica e demográfica da região.

“A surpresa que se viu nas últimas eleições é o sudestino perceber a consciência do  voto do nordestino. Acho que é fruto de um preconceito que muitas vezes se tem de achar que o sujeito em condição de carência não será capaz de votar de acordo com seus interesses mais inteligentes”, diz Samuel Barros, da Ufba.

Ele reforça que, como não é um voto ideológico, não seria o caso de compreender o voto dos nordestinos como um voto de esquerda. “O nordestino vota em partidos à esquerda e à direita que apresentem esse plano, esse projeto (de políticas sociais)”, pondera Barros. “Nesse sentido, é um voto mais consciente de sua realidade e que vai às urnas buscar soluções para seus problemas efetivos, não para seus problemas imaginários, como me parece que tem ocorrido em algumas situações do Brasil”.

Foi a partir de 2006 que essa tendência começou a se delinear, mas é na eleição presidencial de 2018, que a diferença no Nordeste se tornou mais evidente para qualquer um que observasse o mapa dos resultados. Enquanto o restante do Brasil havia votado em peso por Jair Bolsonaro, então no PSL, todos os nove estados do Nordeste deram vitória a Fernando Haddad (PT).

Naquele ano, os governos desses estados também foram vencidos por candidatos que não apoiavam o ganhador daquela eleição – no caso, Bolsonaro. “É um voto pragmático, porque existe uma fidelização do eleitor”, explica Luciana Santana, da Ufal.

Ela também critica a ideia de que esses eleitores fariam essas escolhas por políticas assistenciais, um discurso comum entre pessoas que não vivem no Nordeste. Até pouco tempo, era comum atribuir os votos do Nordeste ao Bolsa Família, programa de transferência de renda extinto em 2021 e substituído pelo Auxílio Brasil desde então.

As políticas públicas valorizadas pelos nordestinos incluiriam, assim, obras em infraestrutura, investimento no ensino superior e tecnológico com universidades e institutos federais, recursos para agricultura familiar e políticas de combate à fome. “A gente tem que parar de considerar que o eleitor nordestino vota apenas por um benefício social, que é importante e necessário, mas não se encerra em si”, completa a professora.

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