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40,3% DOS BRASILEIROS ESTÃO INADIMPLENTES, REVELA PESQUISA

Redação - 28/03/2022 06:46

Criada com o objetivo de dar ao consumidor pessoa física tratamento parecido com o destinado a empresas em situação de insolvência – com pedido de recuperação judicial ou falência –, a chamada Lei do Superendividamento, prestes a completar um ano em julho, ainda não surtiu o efeito esperado. De acordo com dados do Serasa, 40,3% da população adulta do país está inadimplente. São 64,8 milhões de brasileiros, com R$ 219,5 milhões de dívidas –, débitos com valor médio de R$ 4 mil por pessoa. Todos os compromissos vencidos somam cerca de R$ 260,7 bilhões.

Cartão de crédito lidera os casos (24,4%), seguido de contas de consumo, como água, luz e telefone  (23,7%), e carnês de lojas (12,4%). A Bahia ocupa a 21ª posição do ranking nacional, com 37% da massa “argolada”. Os números são de janeiro. Em Salvador, 31,3% das famílias (291,8 mil) possuem contas em atraso, revelou na semana passada pesquisa da Fecomércio no estado. Em um contexto de mais de dois anos de pandemia, inflação, juros e preços nas alturas, desemprego e queda na renda, o advogado especializado em direito do consumidor, Afonso Morais, diz que está “faltando comunicação para a lei pegar”.

“A legislação existe, está em vigor, mas precisa sair da teoria para a prática, porque essa é a maneira mais correta do consumidor conseguir regularizar a situação  de superendividamento financeiro. Com base nela, esses consumidores podem, dentre outros pontos, renegociar as dívidas com todos os credores ao mesmo tempo”, afirma Morais.

O autônomo Thiago Ferreira, 33, se diz um superendividado. Ele deixou de lado um empréstimo bancário de R$ 25 mil que fez para investir em um negócio de hortifruti, que terminou não vingando em função da pandemia. O cartão de crédito também está aberto. Casado, com dois filhos, ele nem cogita uma negociação e desconhece a nova lei.

“Todo o contexto está pegando, o preço das mercadorias, dos combustíveis, tudo subiu bastante. Até mesmo a concorrência. Hoje tem bem mais gente (tentando a sorte com uma banca)”. Ex-superintendente do Procon na Bahia, representante da Frente Nacional de Defesa do Consumidor, o advogado Filipe Vieira explica que, depois de tramitar por 12 anos no Congresso Nacional,  a Lei do Superendividamento atualizou o Código de Defesa do Consumidor (e o Estatuto do Idoso). O projeto é de autoria do ex-senador José Sarney.

“Empresas quando entram em processo de falência ou recuperação judicial, a exemplo de telefônica, companhia aérea, e da construção civil, sempre tiveram apoio de governos, do poder público para se proteger, congelar dívidas, até restabelecer o equilíbrio financeiro. Mas não existia lei para proteger o cidadão”, fala.  Vieira conta que, com a pandemia, essa necessidade “ganhou uma dimensão absurda”, e daí a promulgação do texto no ano passado, afirma.

“Advogado, fisioterapeuta, odontólogo, médico, a crise atingiu dos mais pobres aos mais bem equilibrados. Porém, a primeira coisa a se considerar aqui é o que é o superendividamento e quem está superendividado”.  “Tem gente com dívida no cartão, ou financiamento de veículo, imóvel, mas que vai pagar no final do mês com o salário. Esses são endividados. O superendividado possui tantos débitos que mesmo que ele destine tudo o que ganha no mês não consegue pagar a dívida, porque já virou uma bola de neve”.

Segundo Vieira, a lei tem o intuito de proteger em especial os mais vulneráveis, como idosos e pessoas de baixa renda, “que já possuem recursos mais limitados, e estão muitas vezes se endividando para comer”. Ele destaca ainda o “assédio financeiro” por qual passa esse “público”. Na semana passada, o governo federal,  lançou um pacote de medidas que, entre outros, permite o beneficiário do Auxílio Brasil e BPC (de Prestação Continuada) contrair empréstimo consignado –, e aposentado do INSS comprometer até 40% do que recebe com o tal crédito.

“É um comportamento do mercado. Idosos e mais pobres são muito assediados (por bancos e financeiras). Às vezes (com acesso aos dados dos contribuintes), ligam para dar a notícia de que a aposentadoria deles está para sair, e – antes mesmo de passarem a receber o benefício, ou serem de fato comunicados oficialmente da aprovação da aposentadoria –,  dizem que o cliente já possui linha de empréstimo consignado aprovado junto à instituição. E isso tem um efeito psicológico enorme, pois a pessoa tem o sonho de viajar, de ajudar os filhos, os netos. Muitos ainda são arrimo de família”.

A aposentada Jandira Miranda, 70, conhece bem dessas ofertas por telefone, mas que não “cai em nenhuma”. “Eu vivo com o que tenho”.

Dicas dos especialistas

Segundo os especialistas, pessoas superendividadas precisam, em primeiro lugar, listar todos débitos vencidos. Em seguida, procurar um advogado especializado ou órgão de defesa do consumidor, seja o Procon, ou câmara negocial no Ministério Público ou Defensoria do Estado, e solicitar audiência com todos os credores. “Estabelecendo um valor máximo que pode ser pago de parcela, sem comprometer todo orçamento. Ou seja, criar um plano de pagamento visando promover a redução das dívidas, com diminuição ou corte dos juros, quitando operações de valor mais baixo, ou com percentual de desconto maior”, diz Vieira.

Diretora de Atendimento do Procon na Bahia, Adriana Menezes ratifica que a instituição possui termo de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça, a Defensoria e o MP estaduais para tratar o tema, e que está em estudo a criação por lá de um  “núcleo do superendividamento”, assim como no TJ,  como forma de evitar a judicialização dos casos.  “O Projeto de Lei vinha em tramitação há muito tempo, e chega em um momento extremamente oportuno, pois o número de famílias endividadas e superendividadas cresceu muito pós-pandemia, com tanto desemprego, fechamento de estabelecimentos, tudo o que envolveu o período de isolamento social”, fala.

“E que acabaram se agravando com uma situação que já vinha acontecendo nos últimos anos, de superoferta de crédito. A lei é preventiva e repressiva, pois traz também a responsabilidade de um crédito consciente”, afirma Adriana. “Experiente” no assunto, a vendedora Bárbara Barreto, 39, há mais de dez anos não usa cartão de crédito. Quando precisa comprar algo de valor mais alto, conta pedir para usar o da “patroa, que ela já desconta (do salário) no final do mês”, diz.  Fora isso são “estratégias” de sobrevivência. “Trago (para o trabalho) meu almoço, lanche. Guardo meu dinheiro em casa, e quando quero comprar pechincho, negocio de todo modo”.

Foto: divulgação

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