Quatro meses depois do início da vigência de um acordo para reduzir as filas por benefícios, o INSS não está conseguindo cumprir alguns dos prazos estipulados em conjunto com a Justiça, do Ministério Público Federal (MPF) e os órgãos de controle. O retrato mais recente mostra que, na contramão do acerto, a fila até aumentou na comparação com o fim de 2020.
O acordo, homologado em 9 de dezembro de 2020 pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), previa um período de transição de seis meses até o início da cobrança dos prazos acertados, o que passou a acontecer a partir de 10 de junho deste ano. A exceção são os benefícios cuja concessão depende de perícia médica ou avaliação social, ações afetadas pela pandemia de covid-19. Para esses, os prazos só começam em 31 de janeiro de 2022.
Mesmo depois do período de transição, o INSS tem tido dificuldades para colocar os requerimentos em dia. No fim de 2020, havia 1,76 milhão de pedidos aguardando análise. Em agosto de 2021, a fila chegou a 1,829 milhão, segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social. Desses, 1,41 milhão aguardam algum tipo de ação do INSS, enquanto 421 mil dependem do segurado para avançar.
“Tem alguns prazos que estão ultrapassando, e nós do comitê executivo estamos discutindo com o INSS medidas para implementar efetivamente o prazo acertado. Acho que até o final do ano a coisa vai andar”, afirma a procuradora regional da República Zélia Pierdoná, que participou das discussões do acordo e hoje integra o comitê executivo de acompanhamento. Segundo ela, um dos impasses é que ações tecnológicas e contratação de mão de obra dependem de dotação orçamentária.
O defensor nacional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União (DPU), André Porciúncula, diz que números apresentados pelo governo na última reunião do comitê executivo de acompanhamento mostram 196,4 mil pedidos com os prazos do acordo já vencidos, dentro de um universo de 1 milhão de requerimentos com os prazos já em vigor. “São 200 mil, mas não era para ter nenhum”, afirma.
Segundo Porciúncula, o comitê executivo tem trabalhado em conjunto com o INSS para tentar identificar as razões e buscar soluções para a regularização, reconhecendo que a pandemia ainda afeta as rotinas do órgão. Mas ele critica a falta de transparência sobre a fila. “Há necessidade de maior transparência dos prazos, é importante que se tenha acesso à informação”, diz.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o INSS teve resultados abaixo do esperado com algumas iniciativas deflagradas para tentar resolver a fila, enquanto outras ainda estão na gaveta esperando aval de diferentes instâncias do governo para serem implementadas. Entre as iniciativas pendentes está a edição de uma medida provisória para permitir que o bônus pago em análises de benefícios com suspeita de irregularidade seja usado também para reduzir os pedidos em atraso. Segundo uma fonte envolvida nas discussões, isso pode ampliar a capacidade de análise em 150 mil processos ao mês, pois é semelhante a uma “hora extra” dos analistas do INSS. Outras medidas que dependem de verba são a melhoria da estabilidade dos sistemas e o avanço na automação da concessão de benefícios.
Já a contratação de temporários rendeu menos que o esperado. O governo queria contratar 6,5 mil trabalhadores temporários – incluindo inativos militares – para reforçar o atendimento nas agências e liberar servidores do próprio INSS para a área de análise de benefícios, afogada em pedidos e desfalcada devido ao grande número de aposentadorias nos últimos anos. Em meio à pandemia, o INSS só conseguiu contratar pouco mais de 3 mil, cujo treinamento levou mais tempo que o previsto e só terminou em dezembro.
O fechamento de agências no auge da pandemia de covid-19 também dificultou o trabalho, sobretudo na realização de perícias médicas e avaliações sociais (para concessão de benefícios devidos a famílias de baixa renda, como BPC). Os benefícios que dependem de perícia médica somavam 335,3 mil em agosto, equivalente a 18,33% do total de requerimentos que estão à espera de análise. Não há informação pública sobre quantos aguardam avaliação social.
O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Diego Cherulli, afirma que o INSS de fato enfrenta fortes restrições operacionais, mas critica o pagamento do bônus, que acaba incentivando a “análise de qualquer jeito”, apenas para concluir o processo, atingir as metas e poder acessar os valores extras. “Temos muitos indeferimentos indevidos”, afirma. Cherulli diz ainda que a fila traz consequências para os beneficiários, que ficam sem receber e recorrem à Justiça, e para o governo, devido ao represamento fiscal.
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