Estudantes que se preparavam para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que possibilita a entrada em universidades do país, desistiram de fazer a prova devido a problemas financeiros causados pela pandemia de Covid-19. Moradores de Praia Grande, Santos e São Vicente, no litoral paulista, relataram ao G1 a desistência da inscrição por conta do cenário de dificuldades, além do medo de contágio e falta de preparo.
“Foi muito difícil, teve um impacto muito grande, porque eu realmente estava com esperanças de poder ter uma oportunidade na vida. Veio a pandemia, e foi bem difícil, porque, querendo ou não, a gente perde as esperanças”, descreve a estudante Estefany Cristina Tavares Ferreira, de 19 anos. Assim como a jovem, muitas pessoas desistiram de fazer o exame. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), até esta quinta-feira (15), o Enem de 2021 teve 4.004.764 pessoas inscritas, menor número desde o Enem 2007, quando 3,57 milhões se inscreveram.
Além disso, o número final de candidatos habilitados a realizarem o exame pode cair, porque a taxa de inscrição que permite que o estudante faça a prova é de R$ 85, e pode ser paga apenas até segunda-feira (19). Em rápida entrevista ao G1, o ministro Milton Ribeiro disse que o exame de 2020 teve 50% de faltas por causa de problemas com a imprensa. A questão financeira foi um dos motivos pelos quais Estefany não se inscreveu. Ela mora no bairro Tupiry, em Praia Grande, terminou o Ensino Médio em 2020 e sonha em ser engenheira civil, mas não conseguiria fazer a prova por conta das dificuldades.
“No começo, eu tinha esperanças, porque estava realmente querendo me inscrever, estava tentando, estudando muito, a semana inteira. Veio a pandemia e complicou tudo”, desabafa. Desde a conclusão dos estudos, ela busca um lugar no mercado de trabalho, mas não conseguiu até o momento, por conta da escassez de vagas. Estefany relata que o impacto é grande, já que havia um planejamento e o sonho de ter uma carreira. Mesmo assim, ela continua fazendo cursos online e diz que ainda pretende fazer o Enem e uma faculdade. “Meu objetivo é crescer, ser alguém na vida”, finaliza.
Busca por emprego
A moradora de Santos Gabrielly Barbosa Silva, de 18 anos, não vai prestar o Enem pelo segundo ano seguido. Ela desistiu de cursar Antropologia, sua primeira opção, e focará na área portuária, para tentar entrar no mercado de trabalho. Já matriculada em alguns cursos, ela tenta conseguir a oportunidade do primeiro emprego em meio à pandemia. Gabrielly mora com a mãe, que chegou a ficar desempregada no início da pandemia, mas teve a chance de voltar ao mercado de trabalho em seguida.
“Mesmo com esse emprego, lidar com duas pessoas só com um salário mínimo não é fácil. Continuo com o objetivo de conseguir trabalhar, mas achar uma oportunidade de primeiro emprego na pandemia é difícil. As coisas estão mais caras, para comprar alimentos, e o emprego ajudaria muito nesse sentido”, declara.
A esperança da jovem também é de conseguir a vacina. Ela acredita que, com a melhora no quadro da pandemia, novas oportunidades devem aparecer. “Estou enviando currículos de maneira online, evitando sair. Mesmo assim, é complicado, são poucas entrevistas. Ainda tenho dificuldades, mas com a vacina as coisas devem começar a se estabilizar”, finaliza Gabrielly.
Obstáculos
A coordenadora pedagógica da rede de cursinhos Educafro – Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes -, Beatriz Fraanchefchi, explica que, pelo fato de o projeto ser um cursinho comunitário, que tem a premissa de trabalhar com alunos de baixa renda, foi possível notar como a pandemia afetou a vida de pessoas mais carentes. “Desde o ano passado, estamos com ensino remoto, entretanto, não conseguimos abranger a quantidade de alunos que abrangemos presencialmente. Normalmente, tínhamos sala com cerca de 100 alunos, e no ensino remoto, não conseguimos passar de 15. Muitos relataram que têm dificuldade de acesso à internet. Tem alunos que moram em pequenos cômodos, e não têm espaço adequado para estudar. Além disso, com a pandemia, muitos pais desses alunos perderam o emprego, e eles desistiram de estudar porque tiveram que trabalhar”, relata.
Sonho deixado de lado
O ajudante geral Raphael Bispo Miguel, de 29 anos, morador do bairro Fazendinha, em São Vicente, sonha em cursar Direito. Contudo, ele relata que tem pouco acesso à internet, já que não tem Wi-Fi em casa, e conta que raras vezes consegue assistir TV, devido à rotina de trabalho. Por isso, soube da data do Enem em cima da hora. “Eu me inscrevi no Enem no dia 13 deste mês, não tinha mais como pedir isenção, e a taxa que eles pedem é muito alta para uma pessoa que trabalha fazendo bico como eu. E tenho três filhos, moro de aluguel, então, entre dar comida para os meus filhos e fazer o Enem, não tenho outra opção a não ser deixar meu sonho de lado para alimentá-los”, lamenta.
Dificuldade financeira e medo
Para a estudante Isabela Santos, de 19 anos, o medo do contágio e a dificuldade financeira foram dois motivos para ela desistir do Enem. Apesar da inscrição, ela não pode pagar a taxa necessária para conseguir fazer a prova. Isabela, que atualmente faz um curso de informática, relata que sentiu muito medo de se expor em meio à pandemia para fazer um curso preparatório que fosse presencial. “Quero fazer Análise de Desenvolvimento de Sistemas, mas entrei em pânico, não me preparei, não estudei muito para isso. Com a pandemia, o número de casos aumentando, fiquei com medo de pegar Covid e fazer cursinho de preparação”, explica. Apesar de ter que adiar a realização da prova, a estudante pretende continuar aprendendo para conseguir entrar na universidade. “Vou continuar estudando para fazer o Enem no ano que vem”, conclui.
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