O governo avalia enviar ao Congresso Nacional uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir aumentar os gastos contra a pandemia de Covid-19 sem acionar o Estado de Calamidade Pública. Ao mesmo tempo, uma ala do Executivo defende que a proposta ajude a destravar o impasse criado em torno do Orçamento de 2021. A possibilidade em discussão é permitir recursos para obras fora do teto de gastos, regra que limita as despesas da União.
O envio da PEC ao Congresso ainda não é consenso dentro do governo, mas ganhou força desde a última sexta-feira. Integrantes da equipe econômica tentam limitar os gastos totais a R$ 35 bilhões. Desse valor, uma faixa entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões seriam destinados para obras. Integrantes da equipe econômica resistem à ideia de permitir gastos com obras fora do teto por entender que isso se trata de uma manobra contra a regra.
A possibilidade de gastar com obras fora do teto começou a ser articulada pela ala política do governo. De acordo com fontes que participam das discussões, a intenção dessa ala do governo é colocar na PEC a permissão para gastos fora do teto com o objetivo de “atenuar os impactos sanitários, sociais e econômicos” agravados pela pandemia de Covid-19. O governo ainda não tomou uma decisão sobre o envio da PEC, que será apresentada ao presidente Jair Bolsonaro.
A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, vê na PEC uma forma de permitir os gastos com programas econômicos. O governo pretende gastar pelo menos R$ 4 bilhões com o Pronampe (empréstimo para pequenas empresas) e R$ 8 bilhões para compensar o corte de salário e de jornada de empregados. O Ministério da Economia considera os programas um “sucesso”, especialmente o que permitiu acordos para redução de jornada de trabalho de mais de 11 milhões de empregados.
Além disso, o Ministério da Saúde já mostrou a necessidade de mais recursos para combater a pandemia, como recursos para leitos de UTI e testes. A PEC permitiria ao governo gastar sem as amarras fiscais. A decisão é deixar os programas fora do teto de gastos (regra que impede o crescimento das despesas da União). Apesar de a edição de um crédito extraordinário via medida provisória (MP) tirar o gasto do teto, ainda é necessário vencer duas outras regras fiscais.
A proposta de Emenda à Constituição em gestação permitiria gastar fora da meta de resultado das contas públicas (que neste ano prevê um rombo de R$ 247 bilhões) e da regra de ouro (que proíbe o endividamento da União para gastos correntes). No ano passado, isso não foi um problema porque o governo decretou a Calamidade Pública e também esteve em vigor o Orçamento de Guerra. Agora, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não quer um novo Estado de Calamidade. Ele argumenta que isso seria um “cheque em branco”. Por isso, o ministro prefere lançar as medidas “a conta-gotas”, deixando os gastos na casa de 1% do PIB. No ano passado, foram mais de 8% do PIB. O governo já limitou a R$ 44 bilhões o auxílio emergencial em 2021 (em 2020 foram mais de R$ 300 bilhões em gastos com o benefício).
Para aprovar uma PEC, são necessários os votos de pelo menos 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação em cada Casa. A PEC também poderia destravar o impasse criado em torno do Orçamento de 2021. O Congresso aprovou uma proposta que aumentou em R$ 26,4 bilhões as emendas parlamentares, especialmente para obras. Para isso, o relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), cortou gastos obrigatórios, especialmente com Previdência, abono salarial e seguro-desemprego.
O governo vive um impasse porque se vetar as emendas para aumentar os gastos obrigatórios irá desagradar integrantes da sua base aliada, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Por outro lado, se o presidente Jair Bolsonaro sancionar a proposta integralmente, ele pode incorrer em crime de responsabilidade, na avaliação da área técnica da equipe econômica. Ao permitir as obras fora do teto, as emendas dos parlamentares seriam transferidas para esses gastos. Isso permitiria recompor os gastos obrigatórios.
Essa estratégia, porém, é contestada pela área técnica do Ministério da Economia, que vê na manobra o “drible” ao teto de gastos. Nos últimos dias, auxiliares de Bolsonaro passaram a avaliar a possibilidade de o presidente viajar para fora do país e deixar Lira sancionar o Orçamento. Para isso, seria necessário o vice-presidente Hamilton Mourão também viajar. O presidente da Câmara é o terceiro na linha de sucessão da Presidência da República. Bolsonaro tem até o dia 22 para vetar ou sancionar o Orçamento.
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