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ADARY OLIVEIRA – O FECHAMENTO DE UMA FÁBRICA

Redação - 18/01/2021 08:47

Quando o assunto da aula era fluxo de caixa, eu descrevia o seu funcionamento como semelhante ao de um reservatório de água com uma única torneira de entrada e pelo menos sete torneiras de saída. A torneira que abastecia a caixa d’agua teria de ser dotada de uma vazão suficiente para atender a todas as saídas. Se o nível do líquido dentro do tanque estivesse subindo, era sinal de que estava havendo geração de caixa. Se descesse, era por escassez, volume de entrada menor do que os das saídas. Pela válvula de ingresso fluía o recebimento do dinheiro pelas vendas de bens e/ou serviços produzidos pela empresa. As saídas, representavam os dispêndios necessários ao funcionamento da organização.

A saída de maior funcionalidade, a mais importante, é a do pagamento dos salários e encargos sociais dos colaboradores. Contrapondo-se a esta saída está a de pagamentos dos dividendos aos sócios, donos do capital da empresa. Essas duas saídas estão sempre em conflito. Os empregados acham que ganham pouco e os capitalistas afirmam que os lucros estão pequenos. A administração dos conflitos derivados da relação capital-trabalho é uma das tarefas mais difíceis de serem gerenciadas.

Outras duas saídas importantes de recursos financeiros são as destinadas à liquidação dos compromissos com os fornecedores de bens (matérias primas, insumos, utilidades etc.) e serviços (transporte, alimentação, assistência médica, comunicação, segurança etc.). Esses itens são previsíveis e dependem do cumprimento dos contratos. Nenhum deles pode atrasar e são indispensáveis ao funcionamento dos estabelecimentos. Uma saída relativamente pequena, não compulsória e eventual, é a que trata do apoio à comunidade como escolas, agremiações, igrejas etc.

Subindo de importância veem os bancos, também chamados de instituições de intermediação financeira. Os recursos são para investimentos em ativo fixo e capital circulante, além do “hot money” para manter o equilíbrio advindo das flutuações do fluxo de caixa. Os bancos emprestam dinheiro e cobram juros por isso. Dependendo do endividamento da entidade é uma enorme saída, representada por uma das maiores torneiras. Como as taxas de juros praticadas em nosso país são altíssimas, se essa torneira não estiver bem calibrada o reservatório pode se esvaziar por aí.

Deixei por último a torneira que representa o estado, na arrecadação de tributos os mais diversos. Segundo levantamento feito pelo Sindicon, são cobrados no Brasil 88 tributos diferentes. Eles incidem sobre o lucro das empresas, faturamento, movimentações etc. O volume é tão grande e o emaranhado tão complexo que existem nas companhias divisões inteiras encarregadas de acompanhar os pagamentos. Mesmo assim é muito difícil manter a empresa adimplente.

Por tudo aqui explicado, quando uma empresa decide fechar uma de suas fábricas, todos perdem, mas o estado é o principal perdedor. Isso é exatamente o que está acontecendo com o fechamento da fábrica da Ford em Camaçari. Estão todos debruçados sobre os cálculos dos danos, mas o governo é quem mais vai sair perdendo com a paralisação das atividades. A Ford tem se queixado do excesso de tributos e da enormidade dos encargos sociais, culpando-os pela perda da competitividade nos mercados. Cabe aos governantes negociar com os empresários um jeito de corrigir as imperfeições dando andamento à reforma tributária que está em curso e completando a reforma trabalhista já iniciada.

Entretanto, mais importante do que as avarias financeiras de cada um dos “stakeholders”, é a perda dos empregos e o desequilíbrio provocado em cada um dos lares das pessoas desempregadas. Anos inteiros de dedicação, tempo enorme de apego à instituição, estudos e aperfeiçoamentos técnicos para melhoria do desempenho, tudo vai por água abaixo. Muitas vezes as habilidades adquiridas não são aplicadas em outros setores, exigindo um novo, demorado e incerto recomeço. O desemprego gerado é de extrema gravidade e não se pode desprezar. Os governantes, além de se preocuparem com a atração de novos investimentos, precisam encontrar uma forma de mantê-los funcionando bem, competitivos e de vida longa.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

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