Apesar de ter enviado ao Congresso Nacional uma proposta para unificar apenas os tributos federais sobre o consumo – PIS e Cofins, que se fundiriam na Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) –, o governo segue em conversações com os estados para criar um imposto nacional, que inclua os tributos estaduais e municipais. A criação desse imposto de valor agregado que reúna os três níveis de governo é a linha-mestra das propostas que já são discutidas no Congresso. Analistas apontam, porém, que o tributo brasileiro sobre o consumo pode ser um dos maiores do mundo.
Desde março, foram realizadas cinco reuniões entre a equipe do Ministério da Economia e os representantes dos estados. A última ocorreu nesta semana mas, segundo ambas as partes, ainda há pontos pendentes. Sem “aparar as arestas”, mesmo a aprovação dessa primeira etapa da reforma tributária pode enfrentar problemas. “Há interesse de ambos os lados na construção de um entendimento que possa viabilizar um IVA nacional. Possível, é. Alcançar esse objetivo dependerá da disposição de todos em buscar o entendimento”, afirma o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.
De acordo com o presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles, o governo federal tem se mostrado aberto a aceitar um IVA nacional, que também inclua a arrecadação de estados e municípios em ICMS e ISS. “Houve avanços, mas quem vai arbitrar tudo isso é o Congresso Nacional. Estamos tentando facilitar a vida do Congresso. Já são cinco reuniões com a participação não só dos secretários, mas de várias pessoas da Receita, da PGFN [Procuradoria Geral da Fazenda Nacional], Secretaria Especial de Fazenda. Uma coisa é fato, está havendo intenso diálogo sobre reforma tributária”, disse ele.
Principais discussões
Ouvidos pelo G1 ao longo da semana, os participantes dessas discussões elencaram os principais pontos que estão em discussão, sendo que alguns deles ainda geram disputa ou incerteza no debate de um possível Imposto de Valor Agregado (IVA) reunindo Cofins, PIS, ICMS e ISS. A lista inclui:
IVA alto e imposto seletivo
O projeto enviado ao Congresso nesta semana, segundo o Ministério da Economia, é apenas a primeira parte de um pacote extenso de mudanças no sistema tributário. Segundo o texto, esse novo imposto para substituir os atuais PIS e Cofins teria alíquota unificada de 12%. O percentual é apresentado pelo governo como o patamar adequado para manter a arrecadação atual. Mas, segundo o presidente do Consefaz, a alíquota poderia ser diferente caso a proposta na mesa incluísse os tributos estaduais e municipais.
Josué Pellegrini, mestre e doutor em Economia e diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), avaliou que a alíquota do IVA nacional, com PIS/Cofins, ICMS estadual e ISS municipal, pode até superar a marca dos 30% – o que seria um patamar muito elevado na comparação internacional. Estudo de Sérgio Gobetti e de Rodrigo Octávio Orair, técnicos de planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aponta alguns países que, neste momento, têm os maiores impostos agregados.
Em geral, disse Gobetti, impostos nesse modelo de valor agregado ficam abaixo dos 20%, porque os países que adotam o modelo tributam mais a renda. “Nós já temos uma tributação do consumo muito alta, que vai exigir uma alíquota alta [para manter a carga], que chegaria próxima de 30%. Eu prefiro uma abordagem do tema criando um IBS total, das três esferas, unificando todos impostos, porque aí já faz essa discussão de calibragem de alíquota de uma só vez, e com o menor número possível de exceções”, disse Gobetti.
No caso do imposto seletivo, apelidado de “imposto sobre o pecado” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo deverá propor a manutenção de uma tributação elevada para cigarros e bebidas alcoólicas. O problema é que, ao tratar do tema, os estados consideram aplicar o tributo sobre uma base maior de produtos que pode englobar armas e munições, entre outros itens.
Pontos divergentes
Rafael Fonteles, presidente do Comsefaz, afirma que as discussões com o governo federal têm avançado sem problemas na maior parte dos pontos, embora ainda sem um acordo final. As divergências, diz, são mais profundas em dois itens:
No caso do comitê gestor do futuro IVA nacional, as tratativas estão evoluindo. Os estados chegaram a propor, em um primeiro momento, que a União sequer fosse incluída na gestão. Em março, o comitê passou a admitiram a participação do governo federal. De acordo com o Fonteles, a “modelagem” de como isso vai acontecer, porém, ainda está em discussão.
A formação dos fundos de desenvolvimento regional e de compensação pelas perdas da Lei Kandir (que desonera as exportações) é classificada por Fonteles como o ponto mais sensível. Essa é a forma pela qual os estados querem abocanhar uma parte da arrecadação da União, ao mesmo tempo em que o governo tem uma oferta diferente: repassar valores por meio do pacto federativo (R$ 400 bilhões de “royalties” do petróleo).
“Esse é o principal ponto de divergência. O governo ofereceu recursos via pacto federativo, mas entendemos que deve ser permutado. Melhor que venha do tributo, que parte da alíquota da União sirva para alimentar esses fundos. A União preserva, em um primeiro momento, e depois estamos propondo uma transição relativamente longo de 5, 6 anos, até 10 anos, para formação dos fundos”, diz Fonteles.
Apesar de a União já ter fechado um acordo pela compensação das perdas da Lei Kandir no Supremo Tribunal Federal (STF), prevendo o repasse pela União de até R$ 65,6 bilhões aos estados e municípios até 2037, Fonteles afirmou que o fundo da lei Kandir será mantido na reforma tributária. “Foi para resolver o passivo do passado. Para o futuro, a gente entende que tem de continuar alguma compensação para as exportações, que são desoneradas”, disse ele.
Tostes Neto, secretário da Receita Federal, reconhece que os dois pontos críticos citados por Fonteles são importantes. Segundo o chefe da Receita, ambos precisarão de “aprofundamento dos debates e negociação para avançarmos”. “É um desafio grande cuja solução dependerá muito da disposição para o entendimento”, acrescentou Tostes.
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