Enquanto autoridades discutem a flexibilização da quarentena, médicos que atendem casos de Covid-19 não estão nada otimistas com a evolução da pandemia no país. Segundo pesquisa da Associação Paulista de Medicina, realizada com médicos das redes pública e particular de saúde, 84,5% consideram que ainda não atravessamos a pior onda do novo coronavírus.
O estudo foi divulgado nesta segunda-feira, em meio a estudos e divulgação de medidas de retomada de atividades em várias cidades do país. O tema preocupa médicos e especialistas. O Brasil já ultrapassou 500 mil casos da doença, e registra mais de 30 mil óbitos em decorrência de Covid-19, segundo boletim do Ministério da Saúde.
“O pessimismo não poderia ser diferente”, diz José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina. “Temos visto nos ambientes de trabalho o número de pacientes se multiplicar, e os leitos de internação de terapia intensiva ainda cheios, recrutando médicos de diferentes especialidades. Nada indica que estejamos chegando em uma situação estável, ou até de arrefecimento da doença.”
Para o médico, considerando ainda a subnotificação nos números oficiais, o cenário parece distante de uma solução. E o pessimismo entre os médicos entrevistados só reforça a preocupação com uma flexibilização da quarentena nas cidades brasileiras. “Imagina, você volta do hospital depois de um plantão, exausto, se deita e acorda no dia seguinte com as pessoas discutindo a flexibilização. Você já pensa quantos pacientes vão aparecer daqui a duas semanas no hospital. Isso certamente não contribui para a redução da ansiedade”, afirma Amaral, que defende o isolamento, aumento de testes e a solidariedade como caminhos para tentar frear a expansão do novo coronavírus.
A pesquisa ouviu mais de 2.800 médicos das redes pública e particular de todo o país. A maioria (68,6%) afirma que colegas e colaboradores estão “apreensivos”, quando perguntados sobre o clima do ambiente de trabalho. A percepção de falta de insumos adequados e segurança ainda é citada por profissionais de saúde, mas caiu em relação a uma pesquisa anterior da associação.
“Há que se louvar certo esforço em se disponibilizar esses itens. Por outro lado, a falta de testes para todos os sintomáticos é uma insuficiência a ser considerada, e deve ser tratada com atenção. Ao menos 40% dos entrevistados dizem que não conseguem testes para todos os pacientes”, conta o presidente da Associação Paulista de Medicina.
Violência na saúde
O estudo mostrou ainda que 58,5% dos entrevistados já presenciaram ou souberam de casos de violência contra médicos e outros profissionais de saúde por conta da pandemia de Covid-19. As ações mais citadas são agressões verbais (53%), além de agressões psicológicas (29%). Agressões físicas foram citadas por 17% dos entrevistados que relataram ter sabido ou presenciado cenas de violência.
“A violência no sistema de saúde é crônica. Ou endêmica, para usar o jargão da epidemiologia. À impaciência e insatisfação com as filas no sistema de saúde, que há tempo fazem parte do dia a dia de hospitais, se unem o excesso de demanda e desinformação com a tensão pelos casos de coronavírus”, diz Amaral.
O presidente da APM afirma que as autoridades têm papel fundamental de esclarecer a população sobre uma situação em que todos têm medo, e debater aspectos da doença, ações de prevenção e de cuidados com os próprios profissionais de saúde. “A informação atenua o pânico. À medida que os casos vão acontecendo, os gestores precisam aprender e agir”, diz Amaral, que faz um apelo à capacitação dos profissionais de saúde. “Houve um deslocamento de profissionais de saúde para atenção à Covid-19. Mas muitos não estão capacitados para atender moléstias infecciosas, e passam a praticar em um ambiente desconhecido. É preciso aumentar a preocupação para capacitá-los, principalmente no sistema público, até porque estamos chegando a um recorde de profissionais infectados.”
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