

A brasileira Casa dos Ventos firmou um contrato de cerca de R$ 5 bilhões com a fabricante dinamarquesa Vestas para o fornecimento de 184 turbinas eólicas, totalizando 828 megawatts (MW) de capacidade instalada, em um dos maiores acordos já assinados no mercado eólico nacional. O negócio representa um raro alívio para o setor, que enfrenta uma crise prolongada marcada por desindustrialização e retração de investimentos.
Batizado de Dom Inocêncio, o projeto será implantado nos municípios de Lagoa do Barro e Queimada Nova, no interior do Piauí. As obras estão previstas para começar em 2026, com conclusão em 2028.
Este é o maior contrato fechado no mercado brasileiro desde 2023 e fica atrás apenas de outro acordo entre as mesmas empresas, no qual a Vestas forneceu equipamentos para 1,3 gigawatts (GW) de capacidade instalada à Casa dos Ventos. Segundo o CEO da Vestas na América Latina, Eduardo Ricotta, o contrato ajuda a reativar a indústria após anos sem novos pedidos relevantes. Parte dos equipamentos será produzida no Brasil, enquanto o restante virá do exterior, sem detalhamento da proporção.
“O projeto começa em 2026 e será concluído em 2028. Ele dá força para continuar com a operação da fábrica em Fortaleza”, diz Ricotta. “Em equivalências, este projeto tem capacidade total que poderia abastecer 2 milhões de residências e devem gerar 8.500 empregos diretos e indiretos durante a fase de implantação”, disse.
As pás eólicas serão fornecidas pela Aeris Energy, parceira histórica da Vestas, que produzirá um volume adicional específico para o projeto.
O anúncio ocorre em meio a um cenário crítico para a indústria eólica no Brasil. Nos últimos anos, o país registrou forte encolhimento da cadeia produtiva, com a suspensão ou paralisação de fábricas de grandes fabricantes. Em 2022, a GE Renewable Energy interrompeu a produção de novas turbinas no país; em 2023, a Siemens Gamesa colocou sua unidade em hibernação; em 2024, a WEG paralisou sua linha de montagem e a Nordex reduziu a produção; já em 2025, a fornecedora de pás LM encerrou as operações no Brasil.
Além da queda na demanda por novos parques, o setor enfrenta os cortes de geração determinados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), conhecidos como “curtailment”, causados por falta de demanda ou gargalos na transmissão. As restrições afetam diretamente as receitas dos projetos, estruturados, em geral, com financiamento de longo prazo, e aumentam o risco de inadimplência e quebras.
O diretor executivo da Casa dos Ventos, Lucas Araripe, afirma que a empresa tem uma visão mais otimista sobre o problema. “Achamos que os cortes de geração de energia são uma questão de contexto atual. Isso deve ser resolvido e atuamos neste sentido. Estamos ativamente mostrando e fazendo ‘advocacy’ [atuação ativa de defesa] de que o Brasil precisa aproveitar melhor seus recursos naturais. Também temos atuado em escolher lugares com menos ‘curtailment’ e junto ao legislador e aos reguladores para trabalharem isso da maneira mais correta”, afirmou.
Araripe destacou ainda a estratégia de diversificação de receitas da companhia, com foco em contratos corporativos, autoprodução e novos mercados, como data centers e hidrogênio verde. “Parte dessa demanda por energia vai para projetos de data centers e outros parceiros. O investimento passa de R$ 5 bilhões, além de todo o fomento à cadeia de fornecimento no Nordeste e Sudeste.”
Embora não revele os compradores da energia, o executivo disse que o projeto Dom Inocêncio já está quase totalmente contratado e poderá atender, inclusive, o megaprojeto de data center no Porto do Pecém (CE), desenvolvido em parceria com a Omnia, do Pátria Investimentos, voltado ao fornecimento de energia renovável para o TikTok (ByteDance). “Além do Pecém, o projeto abastece data centers na região de São Paulo. Ou seja, a maior parte da energia vai para atender processamento de dados”, afirmou.
Para Ricotta, o movimento indica uma mudança estratégica no setor. “Passamos de elétrons para bits, dada a dificuldade de exportar energia e a possibilidade de exportar dados. Essa é a sacada do Brasil.”
O contrato também sinaliza a aposta da Casa dos Ventos em parcerias consolidadas, em um momento de maior presença de fabricantes chineses no país, com oferta de equipamentos a preços mais baixos. A empresa conta ainda com uma estrutura financeira robusta, incluindo captações junto ao Banco do Nordeste (BNB), recursos do Fundo Clima do BNDES e garantias da TotalEnergies, que detém 34% de participação na Casa dos Ventos.
Apesar do impacto positivo do acordo, executivos do setor avaliam que ainda é cedo para falar em retomada consistente da indústria eólica no Brasil. Sem avanços estruturais na transmissão e na regulação, o consenso é que o setor seguirá dependente de nichos emergentes, como os data centers, para sustentar novos investimentos.
(Valor Econômico)
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