quarta, 10 de dezembro de 2025
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MUDANÇA NA CNH ACENDE ALERTA SOBRE FORMAÇÃO DE NOVOS MOTORISTAS

João Paulo - 10/12/2025 11:29

“Vamos tirar os não habilitados das ruas para colocar habilitados que não sabem dirigir.” A frase, dita pela psicóloga especialista em trânsito Cecília Bellina, sintetiza a principal preocupação de parte dos especialistas com as novas regras para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), anunciadas pelo governo federal nesta terça-feira (9) e já em vigor. Para ela, as mudanças reduzem custos e ampliam o acesso, mas podem fragilizar a formação prática de novos condutores, ampliando o risco de acidentes.

O pacote, aprovado pelo Contran e publicado no Diário Oficial da União, altera etapas do processo de habilitação, reduz a obrigatoriedade de aulas práticas, permite treinos em carros particulares sem duplo comando, libera instrutores autônomos e transforma o curso teórico em conteúdo digital gratuito. O Ministério dos Transportes afirma que o modelo deve baratear em até 80% o valor total da CNH, hoje estimado em até R$ 5 mil, e contribuir para regularizar parte dos cerca de 20 milhões de motoristas que conduzem sem habilitação.

A psicóloga reconhece que a digitalização do curso teórico é positiva, mas afirma que o impacto da flexibilização sobre o aprendizado cognitivo do motorista iniciante foi subestimado no desenho da política. “Dirigir é uma atividade complexa. Exige tomada de decisão em segundos, leitura de risco, coordenação motora, controle emocional e memória de curto prazo. Isso não se constrói somente com prova teórica ou com poucas horas de prática”, diz ela.

Segundo Cecília, o período logo após a obtenção da habilitação é o mais vulnerável para o condutor novato. É quando o cérebro ainda não automatizou procedimentos básicos, como o uso constante dos espelhos, a interpretação de sinais periféricos e a antecipação de movimentos. “Sem prática supervisionada adequada, o iniciante reage com atraso e comete mais erros. Isso é previsível e tem base no comportamento humano.”

A possibilidade de treinar em veículos comuns, sem duplo comando, é vista como um dos principais pontos de atenção. Na prática, familiares e amigos poderão acompanhar o candidato, substituindo o instrutor profissional durante parte da formação. Para Cecília, a medida ignora diferenças estruturais entre o Brasil e países citados como referência pelo governo. “Estados Unidos, Canadá e Inglaterra têm modelos educacionais e sistemas de fiscalização consolidados. A comparação não se sustenta quando olhamos para a realidade brasileira.”

Ela afirma que, mesmo no modelo atual, muitos candidatos concluem a autoescola sem dominar habilidades fundamentais, como mudança de faixa, ultrapassagem em área urbana e avaliação de distância. “Boa parte das aulas se concentra na baliza para aprovação no exame. É justamente o oposto do que o trânsito exige no dia a dia.”

Entre as alternativas que poderiam reduzir custos sem comprometer a segurança, Cecília cita a eliminação da baliza do exame, substituindo-a por prática em vias reais, a ampliação do número de tentativas de prova prática sem cobrança adicional e a criação de programas sociais específicos para candidatos de baixa renda. Ela também defende restrições temporárias para que motoristas recém-habilitados não utilizem rodovias e vias expressas, medida adotada em alguns países para reduzir a gravidade dos acidentes.

O governo sustenta que o pacote moderniza o processo e corrige distorções históricas no acesso à habilitação. Especialistas, porém, afirmam que o debate não pode se limitar à redução de custos. “Colocar mais gente com CNH nas ruas não resolve se a formação for insuficiente. A questão não é só habilitar, é habilitar para a realidade do trânsito brasileiro”, diz Cecília.

Com a nova resolução já em vigor, os efeitos devem começar a aparecer nos próximos meses. Para a especialista, o desafio será avaliar se a ampliação do acesso virá acompanhada de uma queda ou aumento no número de erros e acidentes envolvendo motoristas iniciantes, um indicador decisivo para medir o impacto real da mudança.

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