

As tarifas estão nos níveis mais altos em décadas. Centenas de milhares de funcionários públicos federais estão sem receber seus salários. A inteligência artificial ameaça remodelar a força de trabalho americana. O efeito que tudo isso está tendo sobre a economia dos Estados Unidos, neste momento, é impossível de saber. O país já está há quase cinco semanas em uma paralisação do governo que paralisou as agências estatísticas nacionais e criou o maior apagão de dados econômicos da história. O fluxo normalmente constante de informações governamentais sobre emprego, gastos, salários, preços e outras áreas foi reduzido a um fio, deixando os economistas tentando preencher as lacunas com relatos informais e uma mistura de indicadores incompletos e muitas vezes contraditórios de fontes privadas.
Não há um bom momento para ficar sem dados confiáveis. Mas este pode ser um momento particularmente ruim. O crescimento do emprego desacelerou fortemente durante o verão (do hemisfério nort), levando a temores de que o mercado de trabalho possa estar se deteriorando rapidamente. Tal cenário provavelmente exigiria uma resposta imediata do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, responsável por maximizar o emprego e manter a inflação estável. Mas os formuladores de política não têm uma maneira confiável de saber se essas tendências continuaram no outono — ou talvez se inverteram. Tara Sinclair, economista da Universidade George Washington, comparou a situação a dirigir em uma estrada sob neblina densa. “Até algo aparecer na sua frente, ou até haver uma curva, você pode estar bem”, disse ela. “Mas em algum momento, algo vai surgir na sua frente — ou chega uma curva — e nós não sabemos quando isso vai acontecer.”
Darada
Jerome Powell, presidente do Fed, usou a mesma analogia na quarta-feira, 29/10, reconhecendo que a falta de dados agrava uma situação já difícil para os formuladores de política, que precisam equilibrar o risco de um mercado de trabalho enfraquecido contra uma inflação ainda teimosamente alta. O banco central reduziu as taxas de juros em 0,25 ponto percentual pela segunda vez neste ano. Mas, refletindo as profundas divisões no comitê, dois dirigentes discordaram — um pedindo um corte maior e outro, nenhum corte. Mesmo antes do apagão de dados, as políticas voláteis do presidente Donald Trump em relação ao comércio e à imigração já dificultavam para os analistas preverem o rumo da economia — e para os formuladores de política decidirem como reagir.
A paralisação adicionou mais uma fonte de instabilidade econômica, especialmente por se prolongar sem perspectiva de solução. Muitos funcionários federais perderam seu primeiro salário integral na semana passada, e 42 milhões de pessoas ficaram sem benefícios alimentares neste fim de semana. Nesse contexto, Powell lançou dúvidas sobre a possibilidade de outro corte de juros na última reunião do Fed do ano, em dezembro. Ele disse que isso estava “longe de ser uma conclusão óbvia”, dado que havia “fortes divergências de opinião” sobre o próximo passo. Powell também enfatizou que a falta de dados devido à paralisação poderia, em teoria, levar o Fed a manter a cautela. “Se houver um nível muito alto de incerteza, isso pode ser um argumento a favor da prudência antes de agir”, disse ele em uma coletiva de imprensa após a reunião de dois dias do comitê de política monetária.
Antes dessa reunião, os formuladores de política tiveram um golpe de sorte: o Bureau of Labor Statistics (Departamento de Estatísticas Trabalhistas) divulgou os dados de inflação de setembro no final do mês passado, pois eram necessários para calcular o reajuste anual do custo de vida para os benefícios da Previdência Social. Mas a neblina tende a se adensar daqui para frente. A agência conseguiu publicar o relatório de setembro porque os dados já haviam sido coletados antes do fechamento do governo em 1º de outubro. Desde então, nenhum novo dado foi coletado. Um funcionário da Casa Branca disse no mês passado que o governo talvez não consiga publicar o relatório de inflação de outubro. Relatórios sobre o mercado de trabalho, gastos do consumidor, manufatura e outros temas também estão em risco. “Teremos para sempre uma interrogação sobre o que está acontecendo agora”, disse Karen Dynan, economista de Harvard e ex-dirigente do Departamento do Tesouro no governo Obama. “Não há como recriar estimativas precisas retroativamente.”
Mesmo quando o governo reabrir, levará tempo para religar a “máquina de dados”. Isso significa que, quando os dirigentes do Fed se reunirem nos dias 9 e 10 de dezembro, poderão ter pouca informação adicional sobre o estado da economia em comparação ao da semana passada. E não é apenas o Fed que está no escuro. Executivos de empresas tentam prever suas vendas para decidir onde e se devem expandir seus negócios. Investidores tentam avaliar o impacto das tarifas, da inteligência artificial e de outras forças sobre os lucros corporativos e as receitas governamentais. Autoridades estaduais e locais tentam entender como a paralisação está afetando suas economias regionais.
Na ausência de estatísticas oficiais, economistas recorrem a dados do setor privado. Essas fontes se multiplicaram nos últimos anos, especialmente após a pandemia de coronavírus, que impulsionou a demanda por novas formas de medir a economia. Os economistas dizem que esses dados podem ser úteis, oferecendo números mais atualizados ou detalhados do que os do governo. Mas deixam grandes lacunas. Por exemplo, há pouquíssimos dados confiáveis do setor privado sobre o preço de serviços — uma categoria ampla que inclui procedimentos médicos, cortes de cabelo e decoração de interiores. E nenhuma fonte privada consegue fornecer uma estimativa abrangente como o Produto Interno Bruto (PIB), que mede o valor de todos os bens e serviços produzidos no país. “Essas fontes nos ajudam parcialmente, mas não dizem o que formuladores de política e empresas realmente precisam saber”, disse Jed Kolko, que supervisionou dados econômicos no Departamento de Comércio durante o governo Biden. “E quanto mais tempo ficarmos sem estatísticas oficiais, maior o risco de que os dados privados comecem a apontar na direção errada.”
Mesmo em áreas com mais dados privados, como consumo e mercado de trabalho, essas fontes servem apenas como complemento, não substitutas. A maioria dessas séries tem apenas alguns anos, enquanto as séries governamentais cobrem décadas. E mesmo as maiores empresas privadas não têm uma visão abrangente da economia americana. Isso é particularmente problemático agora, quando as políticas de Trump afetam regiões, setores e grupos demográficos de maneiras diferentes. Um varejista que atende principalmente consumidores hispânicos de baixa renda tem hoje uma percepção muito distinta da economia em comparação com outro que mira consumidores mais ricos. O índice Johnson Redbook, uma medida tradicional de vendas no varejo, indica que o consumo continuou crescendo em ritmo saudável neste outono. Mas uma medida de transações com cartões de débito publicada pela Bloomberg mostra uma desaceleração preocupante.
Da mesma forma, a processadora de folhas de pagamento ADP relatou que empregadores privados cortaram vagas em setembro, embora uma nova série semanal da empresa mostre uma leve recuperação no início de outubro. Outras fontes, como a Revelio Labs, especializada em dados do mercado de trabalho, sugerem que as contratações esfriaram, mas não pararam. Os estados também continuam divulgando dados sobre pedidos de seguro-desemprego, que subiram apenas modestamente. (Infomoney)
Foto: Casa Branca, em Washington, EUA 20/7/2024 REUTERS/Kevin Mohat