

A Câmara dos Deputados deve votar até o final deste ano a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que integra forças de segurança pública do país. A PEC da Segurança, como tem sido chamada, voltou ao centro do debate político nos últimos dias, em reação a uma operação do governo do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, que deixou mais de 120 mortos.
Segundo o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a proposta deve ser apreciada nas primeiras semanas de dezembro. O calendário foi definido em conjunto com o relator, Mendonça Filho (União Brasil-PE), e o presidente da comissão especial que analisa a PEC, Aluísio Mendes (Republicanos-MA). Apresentada pelo governo Lula, a PEC da Segurança já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda análise da comissão especial.
O governo vê a PEC como uma das principais ações para combater o crime organizado, além de avaliar que a proposta pode ser trunfo eleitoral, à medida que a segurança pública se torna mais relevante nas pesquisas de intenção de voto para 2026. A proposta não tem unanimidade entre os governos e secretários estaduais de segurança. A avaliação é de que a proposta atual pode “engessar” a atuação das forças de segurança locais.
O texto atual, que ainda não passou por mudanças significativas do relator, permite que o governo federal defina diretrizes nacionais para a atuação das forças de segurança, além de determinar que as corporações atuem de forma integrada.
Diante de críticas de governadores, a proposta deixou claro que os estados e municípios continuarão a ter autonomia para definir suas próprias estratégias de segurança. As polícias seguirão subordinadas aos governadores. A PEC também assegura que a Polícia Federal poderá investigar organizações criminosas, milícias e crimes ambientais.
O relator espera apresentar as suas sugestões de mudança em 4 de dezembro. Na ocasião, os membros da comissão especial da PEC poderão decidir votar imediatamente o texto ou pedir mais tempo de análise (vista). O presidente da Câmara afirmou que, assim que o colegiado analisar a PEC, o texto será submetido imediatamente à votação no plenário principal da Casa. “Saindo da comissão, pautamos com a máxima urgência no plenário. Será rápido”, disse.
Para ser aprovada, a proposta precisa reunir ao menos 308 votos favoráveis no plenário, em dois turnos de votação. Depois, para que o texto passe a valer, o Senado também precisará aprovar a PEC. Se as duas Casas aprovarem, a proposta pode ser promulgada (ato que torna o texto parte da Constituição) pelos próprios congressistas, sem sanção ou veto do presidente Lula (PT).
Confira a seguir, nesta reportagem, um ponto a ponto do atual texto da PEC da Segurança:
Ampliação de competências da União
A proposta amplia as competências do governo federal em relação à definição de políticas e estratégias de segurança pública.
O texto define que caberá à União estabelecer um plano nacional de segurança pública, que também englobe o sistema penitenciário. Estas diretrizes serão desenhadas, de acordo com a PEC, com a participação dos estados e dos municípios.
Além disso, a proposta também prevê que será competência da União coordenar o sistema único de segurança pública e o sistema penitenciário.
Para diminuir resistências de governadores, o governo acrescentou no texto que as novas atribuições da União não retiram a autonomia dos governadores de definir as políticas e estratégias locais de segurança.
A PEC estabelece, ainda, que as polícias militares, civis e penais e os corpos de bombeiros continuarão a ser subordinados aos governos locais.
Integração de governos
A proposta do governo prevê que os governos federal, estaduais e municipais têm de trabalhar conjuntamente para a “manutenção da segurança pública e da defesa social”.
O texto afirma que as forças que integram o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) vão atuar de forma “integrada e coordenada”, seguindo diretrizes nacionais estabelecidas pela União.
Isto, segundo a proposta, deverá ocorrer de forma a ampliar a “eficiência e eficácia”.
PF no combate ao crime organizado
O atual texto da PEC amplia o escopo de atuação da Polícia Federal. A proposta assegura que a corporação poderá investigar organizações criminosas e milícias.
Além disso, também abre caminho para que a PF apure crimes ambientais.
Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, atualmente a PF já atua nestas áreas, mas somente quando há federalização dos casos ou quando há decisão judicial.
Polícia Viária Federal
O texto amplia competências da atual Polícia Rodoviária Federal (PRF), que, se a proposta for aprovada e promulgada, passará a se chamar Polícia Viária Federal.
A PEC estabelece que, além do policiamento ostensivo de rodovias federais que já ocorre, a corporação também será responsável pelo patrulhamento de ferrovias e hidrovias federais.
A proposta permite também que a Polícia Viária Federal seja deslocada para prestar auxílio às polícias dos estados, quando houver pedidos de governadores, como acontece com a Força Nacional.
Guardas municipais
A PEC reconhece as guardas civis municipais como membros do Sistema Único de Segurança Pública.
O texto estabelece que as guardas poderão fazer o “policiamento ostensivo e comunitário”. Isso assegura, por exemplo, que os agentes municipais façam prisões em flagrante.
Na prática, a proposta repete o teor de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu, em fevereiro deste ano, que as guardas municipais podem atuar na segurança urbana.
Seguindo o entendimento da Corte, a PEC do governo prevê que as guardas municipais não têm poder de investigação e que suas ações não podem se sobrepor às das polícias civil e militar.
Corregedorias
A proposta estabelece que as forças de segurança de todo o país devem contar com corregedorias. Os órgãos serão responsáveis por apurar possíveis infrações de agentes.
Segundo a PEC, os órgãos terão autonomia.
No caso das guardas municipais, deverão ser criadas ouvidorias, que também terão autonomia para investigar infrações. Além disso, as guardas estarão sujeitas ao controle do Ministério Público.
Mudanças feitas pelo relator
O relator já fez algumas mudanças no texto. Na análise da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Mendonça Filho diminuiu o alcance das atribuições exclusivas do governo federal — ou seja, aquelas que estados e municípios não poderiam fazer.
Mendonça excluiu um trecho que dizia que caberia exclusivamente à União definir normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário.
Segundo ele, a medida poderia centralizar poderes no governo federal e violar as competências locais.
Ao longo dos últimos dias, o parlamentar sinalizou que pode incluir outras mudanças para endurecer regras e impedir que atuais benefícios da legislação penal sejam concedidos a criminosos que integram facções.
Mendonça Filho também indicou que pode propor a retomada da prisão de condenados em segunda instância.
O tema foi alvo de um vaivém de entendimentos no STF, que, em 2019, decidiu mudar o seu próprio entendimento e estabelecer que a execução da pena somente pode ser iniciada após trânsito em julgado (fase em que não cabe mais recurso).
Foto: Reprodução/Prefeitura de Ponta Grossa