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CRIANÇAS COM ENSINO DE QUALIDADE NA PRÉ-ESCOLA APRESENTAM MELHORES NÍVEIS DE APRENDIZADO, APONTA ESTUDO

João Paulo - 20/10/2025 13:27

Levantamento apoiado pela Fundação Bracell e realizado pela pesquisadora Jaqueline Natal mostra que crianças em pré-escolas de qualidade aprendem mais, se desenvolvem melhor e têm maiores chances de sucesso escolar

Um levantamento sobre os efeitos da pré-escola no Brasil traz novas evidências de que não basta garantir o acesso: a qualidade da educação infantil é o que realmente transforma o aprendizado e o desenvolvimento das crianças. Uma iniciativa da Fundação Bracell, entidade filantrópica dedicada a impulsionar o poder transformador da educação desde a primeira infância, o estudo “O que sabemos sobre os efeitos da pré-escola no Brasil”, liderado pela pesquisadora Jaqueline Natal, sintetiza de forma abrangente as evidências científicas sobre o impacto da pré-escola na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças brasileiras.

Entre os resultados, um principal chama atenção: crianças que frequentam pré-escolas de qualidade aprendem significativamente mais do que as que não participam de programas equivalentes. Em termos técnicos, o ganho médio foi de 0,37 desvios-padrão, medida usada internacionalmente para tornar comparável o tamanho do impacto de uma intervenção sobre o aprendizado.

O impacto verificado é considerado notável quando comparado ao de outras intervenções realizadas em etapas posteriores da educação básica e significa que as crianças que vivenciam experiências de qualidade na pré-escola têm avanços claros e consistentes em leitura, linguagem e desenvolvimento cognitivo. O resultado brasileiro é superior à média global (0,31) e bem acima da média da América Latina (0,19).

Os melhores resultados foram observados em programas de saúde escolar, com impacto de 0,34 desvios-padrão, e em iniciativas de alfabetização e desenvolvimento cognitivo, com 0,28, valores comparáveis aos obtidos por países de alta renda.

Para Eduardo de Campos Queiroz, presidente da Fundação Bracell, o levantamento traz evidências contundentes sobre o papel da educação infantil no desenvolvimento das crianças e na redução de desigualdades. “Há décadas, o Brasil amplia o acesso à pré-escola, mas pouco se sabia, de forma consolidada, sobre o quanto essa etapa impacta a vida das crianças. Agora confirmamos que esta etapa da educação básica, quando é de qualidade, faz toda a diferença. Uma pré-escola bem estruturada é essencial para as crianças, amplia as oportunidades de aprendizado, influencia positivamente o futuro escolar, assim como outras dimensões de bem-estar. Investir nessa etapa é estratégico para o desenvolvimento do país”, afirma Queiroz.

O estudo foi desenvolvido a partir da revisão analítica de 4.927 estudos publicados desde 1988, dos quais apenas 27 atenderam a critérios rigorosos de elegibilidade científica. Ao todo, nesses estudos, foram examinadas 40 intervenções em profundidade. A ampla maioria dos estudos abordaram habilidades cognitivas (72%), como literacia e linguagem (63%) e numeracia (9%), enquanto um percentual mínimo avaliou habilidades socioemocionais e 3% avaliaram habilidades socioemocionais.

Isso significa que a maior parte das pesquisas privilegia resultados cognitivos e acadêmicos, o que contrasta com a proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), principal normativa que determina as aprendizagens, competências e habilidades essenciais que todas as crianças devem desenvolver e inclui as dimensões física, emocional, cognitiva e social.

Ainda segundo o relatório, a duração e o foco nas crianças são fatores relevantes para o sucesso das intervenções. Programas de intervenção que focam em atividades práticas e contínuas, como projetos de leitura compartilhada, alfabetização lúdica, atividades físicas regulares e ações de nutrição e saúde, são mais eficazes quando têm duração superior a seis meses, carga horária entre 20 e 40 horas e foco direto nas crianças, em vez de priorizar apenas adultos ou professores.

Os resultados também mostram que programas desenvolvidos após a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2017, tiveram impactos mais consistentes, indicando que o novo referencial curricular contribuiu para qualificar o trabalho pedagógico e fortalecer a intencionalidade educativa na primeira infância.

Visão regional revela falta de dados

O estudo também mostra forte concentração de pesquisas rigorosas nas regiões Sudeste (63%) e Nordeste (26%), com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. As regiões Norte e Centro-Oeste têm apenas um estudo cada uma, ambos com uso de dados secundários, e o Sul conta com um único trabalho no Rio Grande do Sul.
Essa concentração regional reflete a desigualdade na produção científica e no acesso a financiamento, ainda limitado a agências públicas como CNPq e FAPESP.

“A consequência é que falta representatividade nacional nas evidências sobre o impacto da pré-escola, o que limita o desenho de políticas públicas que considerem a diversidade regional do país”, avalia.

Evidências que dialogam com políticas públicas

O estudo apoiado pela Fundação Bracell vai além de reunir dados sobre a pré-escola brasileira: ele busca conectar essas evidências à formulação de políticas públicas mais eficazes. Mas para que esses avanços se tornem políticas duradouras, o relatório recomenda ampliar as pesquisas em diferentes regiões e contextos socioculturais, avaliar o custo e a sustentabilidade das intervenções, realizar estudos de acompanhamento de longo prazo e fortalecer a formação de professores, com foco no desenvolvimento de competências socioemocionais.

Queiroz reforça que compreender os efeitos da pré-escola é essencial para direcionar investimentos e reduzir desigualdades. “É onde se forma o alicerce para o aprendizado, o comportamento e até para o desenvolvimento econômico do país. Nossa prioridade na Fundação Bracell é a educação infantil e, infelizmente, ela ainda não é prioridade das lideranças no Brasil. Não basta garantir o acesso: se a criança está na pré-escola, mas sem uma proposta pedagógica de qualidade, é como correr a maratona da vida com os pés amarrados”, destaca.

Foto: Shutterstock

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