Sob a vibração contagiante das torcidas, três estudantes da rede pública de ensino tiveram seus poemas premiados no Concurso Versos de Identidade Ano II, realizado na última sexta-feira (3), durante a 5ª Festa Literária Arte e Identidade, no Espaço Juventudes, localizado no Largo Quincas Berro D’Água, em Salvador.
Entre os dez finalistas, Ysllana Anunciação (Colégio Estadual Cidade de Candeias – Candeias/BA), Luis Alves (Colégio Estadual Desembargador Pedro Ribeiro – Salvador/BA) e Sueli Barboza (Escola Municipal Conselheiro Luiz Viana – Candeias/BA) chegaram ao pódio com poemas inspirados no tema da festa deste ano: “Resistir é festejar.” Além do troféu, os três primeiros colocados receberam prêmios em dinheiro e três livros da literatura negra infantojuvenil.
O terceiro lugar ficou com a estudante Sueli Barboza dos Santos, autora do poema ‘Resistir e festejar a vida’. De acordo com a jovem, o incentivo para participar do concurso veio da mãe, da diretora da escola e dos amigos, que também estavam presentes no dia da competição.“Além de representar a minha escola, essa conquista é um grande estímulo para continuar produzindo, participar de outras competições e acreditar que posso mais e mais”, afirmou Sueli.
Inspirado no amigo Isaac Barbosa, vencedor do primeiro lugar na edição de 2024 do concurso, Luis Alves conquistou a segunda colocação com o poema ‘Resistir é fé’. O estudante contou que a motivação para a escrita veio da ancestralidade presente em sua família, dos ensinamentos das religiões de matriz africana e de experiências pessoais. Dedicando o prêmio à avó, falecida há seis anos e ex-professora do mesmo colégio em que estuda, e a uma das professoras, para quem havia prometido vencer, Luis afirmou que a conquista é a prova de que é capaz de muito mais.
“Hoje eu não levei o primeiro lugar, mas o segundo significa muito para mim. Significa que a minha comunidade está em festa e que eu posso tudo. Na próxima edição volto a me inscrever, pois, como digo em outro poema meu, lutar não é desistir e desistir nunca será uma opção para mim”, declarou orgulhoso.
Com o poema intitulado ‘Entre sonhos e coragem’, no qual abordou a ancestralidade relacionada a mulheres negras, Ysllana Anunciação alcançou o topo do pódio. Participante de uma oficina de poesia cênica preta musicada, a jovem contou com a orientação do professor, que a convidou para participar do concurso, dedicou-se a estudar mulheres que marcaram a história com atos revolucionários para escrever seu texto.
“Ganhar este concurso significa muita coisa. Significa ter orgulho de mim mesma, porque eu não confiava muito no meu potencial; conquistar minha autoconfiança; saber que eu posso, sim, ser alguém na vida, que posso ter muitas coisas, muito além do que eu imaginava”, disse Ysllana.
Questionada sobre os próximos passos, a poeta afirmou que, quando tiver uma nova ideia, recorrerá novamente ao professor para iniciar a produção de outro poema. “Agora, em mente, eu não tenho nada, entendeu? Mas vai que daqui até de madrugada, quando eu chegar em casa, vem alguma coisa na minha cabeça. Aí eu só falo com o professor: ‘Professor, bora?’”, concluiu.
A escritora Márcia Mendes, coordenadora pedagógica da Festa Literária Arte e Identidade e integrante da comissão de seleção dos poemas finalistas, ao lado da curadora Karla Daniella Brito, destacou que o tema desta edição era subjetivo e exigia dos participantes pesquisa, leitura e mediação dos professores. De acordo com Mendes, algo chamou sua atenção nesta edição: ao ler os mais de 30 poemas inscritos, ela percebeu que os jovens estão mais politizados e empoderados.
“Percebi que esses meninos e meninas estão mais politizados em relação aos seus direitos e ao lugar que ocupam no mundo. Eles estão se reconhecendo, se respeitando e afirmando com mais segurança quem são. É como se dissessem: ‘Eu sou negro, e daí? Qual é o problema com isso?’. Estão mais empoderados, e já percebemos esse movimento mais político, no sentido de afirmar: ‘Eu sou isso, e pronto. Você vai ter que me respeitar mesmo’”, ressaltou.
Ainda segundo Márcia, a presença da dor e da tristeza causadas pelo racismo também foi marcante, sobretudo nas produções das meninas. “Vejo jovens entristecidos diante desse Brasil que ainda insiste em negar o racismo, inclusive dentro das escolas. Essa negação acaba silenciando muitos deles, impedindo que expressem quem são e o que fazem. Nos textos inscritos no concurso, identifiquei essa dor muito presente e, entre as meninas, especialmente, uma solidão profunda”.
As observações de Mendes sobre a força, a consciência e também as dores desses jovens se refletem na fala do homenageado do concurso, o poeta, professor, performer e idealizador do Sarau do Bem Black, Slam Lonan e da Balada Literária da Bahia, Nelson Maca. Para ele, os poemas recitados nesta edição revelaram a potência e a diversidade das subjetividades presentes na juventude negra e periférica.“Prova que a juventude periférica e negra quer estudar, quer fazer poesia, quer se apresentar no palco, quer bater palmas, quer ganhar palmas. Almeja ganhar prêmios pelo estudo, e não pela violência, não pela capacidade de distribuir ilícitos”, pontuou Márcia.
Três dias de cultura afro-indígena no Pelourinho – Com um público estimado em cerca de 8 mil pessoas circulando pelos cinco espaços fixos e oito espaços culturais parceiros ao longo dos três dias de programação, a 5ª Festa Literária Arte e Identidade consolidou-se como um grande encontro de expressão e diversidade. O evento reuniu aproximadamente 3 mil alunos de 60 escolas públicas e privadas, contou com 32 expositores — entre editoras, livrarias, autores independentes e empreendedores negros e indígenas na Feira Maria Felipa — e ofereceu 140 atividades gratuitas.
A iniciativa reafirma seu compromisso com a promoção da diversidade cultural, oferecendo um ambiente seguro e inclusivo para que crianças e adolescentes possam se conectar com as suas raízes por meio de palestras, rodas de conversa, oficinas, apresentações artísticas e vivências criativas com artistas baianos e nacionais. A proposta curatorial desta edição realçou as expressões negras e indígenas como pilares na construção da identidade brasileira, aprofundando o debate sobre seu legado histórico e simbólico.
A Festa Literária Arte e Identidade Ano V é uma realização da Associação Cultural e Carnavalesca Quero Ver o Momo e tem apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia. Também foi contemplada pelo edital Gregórios – Ano IV com recursos financeiros da Fundação Gregório de Mattos, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Prefeitura de Salvador e da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), Ministério da Cultura e Governo Federal.
Créditos: Enzo Ângelo