Há muito tempo deixei de crer em prêmios literários. Eles obedecem muito mais a articulações sociais, políticas e econômicas do que à qualidade da obra. Os grandes prêmios não têm apenas a dimensão literária tem, antes de tudo, uma dimensão econômica, e não é raro uma editora investir para que um autor seja premiado, potencializando suas vendas. São muitos os escritores premiados cujos livros ninguém consegue ler e outros tantos são lidos por todos e jamais receberam um prêmio.
O Prêmio Nobel, por exemplo, notabilizou-se por não premiar alguns dos maiores escritores de todos os tempos e por premiar nomes que jamais deveriam estar entre eles. Liev Tolstói, Fiódor Dostoiévski, Jorge Luís Borges, James Joyce, Marcel Proust, Virginia Woolf e outros foram preteridos. Já Bob Dylan foi agraciado e nem escritor é. Entre os brasileiros, nomes como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro e outros não foram contemplados.
Para ganhar o Nobel, é preciso ter relações no mundo literário, ter lobby forte e representar o momento político que a Academia Sueca quer ressaltar. Alekandr Soljenítsin só ganhou por ter divulgado o Gulag soviético e Louis-Ferdinand Céline só não ganhou porque era um fascista radical.
E, assim como premiou Mo Yan para saudar a emergência da China, o Nobel resolveu premiar a Coréia do Sul, um dos países asiáticos de cultura mais ocidentalizada, e, em 2024, escolheu a escritora Han Kang. Não foi uma escolha absurda, mas suas obras – especialmente A Vegetariana, um livro insólito, sombrio e bem escrito – brilham no quintal da casa, sem atingir a constelação do Nobel.
A Vegetariana conta a história da jovem Yeong-hye que parou de comer carne e, gradualmente, afasta-se dos alimentos, quer alimentar-se de luz e não mais caminhar, mas enraizar-se, fundindo-se com a natureza, tornando-se uma árvore para fugir da opressão masculina e da brutalidade do mundo. É como se, percebendo que seu corpo não lhe pertence e é dominado pelos outros, ela preferisse ser vegetal. É interessante, especialmente porque a história não é contada por ela, mas pelos outros – marido, cunhado, irmã.
Mas não é tão original assim. Clarice Lispector já fala no desejo de ser uma planta e existir sem sofrimento, sem desejo, sem conflito. Em A Paixão segundo G.H., diante da barata esmagada, a protagonista sente que precisa descer a um estado mais elementar da vida. Ambas estão, de certa forma, bebendo em Ovídio que, nas Metamorfoses, transforma Dafne na árvore de louro, para que ela possa escapar do assédio de Apolo.
A Vegetariana é um bom livro e a obra de Han Kang é estilisticamente limpa, mas para ganhar o prêmio que agraciou Faulkner e García Márquez ela precisaria fazer a fotossíntese e transformar a energia luminosa da metáfora em uma força literária maior.
Publicado no jornal A Tarde em 19/09/2025