sexta, 12 de setembro de 2025
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ATAQUES DE ABELHAS CRESCEM NO BRASIL E EXPÕEM FALTA DE ANTÍDOTO

VICTOR OLIVEIRA - 12/09/2025 15:08

Conhecidas por seu papel na produção de mel e na polinização de plantas, as abelhas africanizadas (Apis mellifera) podem parecer inofensivas com sua coloração amarela e rotina de visita a flores. Mas, quando se sentem ameaçadas, elas podem oferecer verdadeiros riscos à saúde humana – principalmente se estiverem acompanhadas por outros membros de sua colmeia, e formarem um enxame.

Dados do painel epidemiológico de acidentes por animais peçonhentos,  mantido pelo Ministério da Saúde, indicam que 34.260 pessoas registraram episódios envolvendo o ataque de abelhas no país em 2024, sendo que 117 deles resultaram em óbito. Isso representa um crescimento de 82% no número total de notificações de casos do tipo em comparação a 2020 (18.818), bem como um salto de 56% em relação às mortes (75).

Segundo o médico-veterinário Rui Seabra Ferreira Júnior, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), esse fenômeno pode ser uma consequência do Brasil ter se tornado referência na produção de mel e seus derivados nos últimos anos, espalhando a criação dos insetos pelo território. Além disso, as mudanças climáticas podem ter favorecido a ocorrência da espécie em áreas onde antes elas não eram tão frequentes.

Hoje, o ataque por abelhas ocupa o terceiro lugar no ranking de envenenamento por causas animais, ficando atrás apenas de escorpiões e aranhas, respectivamente. Desde 2023, elas superaram até as emergências por serpentes. “Trata-se de um problema de saúde pública que é, muitas vezes, negligenciado”, destaca Ferreira Júnior, que também atua como diretor do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap).

Ele e sua equipe discutiram as possíveis complicações clínicas da toxina das picadas de abelhas em um artigo publicado em setembro de 2024 na revista Frontiers in Immunology. O estudo chama atenção especial para a ausência de um antídoto específico para lidar com o quadro, como ocorre com outros animais peçonhentos.

Falta tratamento específico

O tratamento hospitalar para tratar casos de ataque por abelhas é de suporte, o que significa que o cuidado foca na amenização dos sintomas por meio de medicamentos e manutenção da vida em casos mais graves. Quadros de alergia leve e moderados são tratados com anti-histamínicos, corticoides tópicos e analgésicos simples, enquanto casos graves, com manifestação sistêmica ou anafilaxia, necessitam do uso de epinefrina. Vale lembrar que não existem antídotos disponíveis para o veneno de abelhas – como os soros antiofídicos, antiescorpiônicos ou antiaracnídicos, usados para lidar com outros animais peçonhentos.

A produção de um antiveneno para as abelhas foi testada nas últimas décadas em todo o mundo. Existe, porém, um grande desafio para chegar a esse objetivo: o processo de desenvolvimento de um soro, que parte da aplicação desse veneno em um animal (normalmente um cavalo), apresentou problemas devido à dor que essa toxina causa. O incômodo físico afeta diretamente na produção de anticorpos, inviabilizando o desenvolvimento de um soro a partir dessas proteínas.

“Foi só mais recentemente que o nosso grupo conseguiu identificar e remover, por meio da aplicação de ferramentas biotecnológicas, todos os componentes que causam dor e alergia desse veneno, deixando apenas os seus componentes tóxicos”, relata Ferreira Júnior. “Sem a dor, os cavalos começaram a produzir anticorpos altamente responsivos.”

A partir disso, sua equipe, em conjunto com o Instituto do Butantan e o Instituto Vital Brazil, conseguiu obter um candidato inédito para avançar com a produção de um soro antiveneno de abelha africanizada (o qual foi nomeado pelos responsáveis como antiveneno apílico). Detalhes de um ensaio clínico de fase 2 com o produto foram publicados em março de 2021 também na revista Frontiers in Immunology.

Nele, verificou-se que os 20 pacientes envolvidos apresentaram melhora clínica significativa após a administração do antiveneno, com normalização dos parâmetros clínicos ao longo de 30 dias. Isso mesmo entre as pessoas atacadas por enxames formados por mais de 500 abelhas.

Em relação à segurança, não foram observados eventos adversos graves relacionados ao uso do antiveneno. Apenas dois pacientes apresentaram reações adversas precoces e leves, como coceira, urticária e dormência labial, controladas sem necessidade de interromper o tratamento.

“Agora está em avaliação pelo Ministério da Saúde a nossa proposta de um ensaio clínico de fase 3, com mais voluntários. Esses resultados poderão permitir a abertura de pedido de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa] e, posteriormente, sua distribuição pelo Sistema Único de Saúde [SUS]”, pontua o professor da Unesp. “Se tudo correr como planejado, será um medicamento inédito no mundo, que o Brasil poderá, inclusive, exportar para outros países.”

Quando procurar ajuda profissional?

As pessoas mais vulneráveis aos ataques costumam ser aquelas que vivem no entorno das regiões apiárias. É relativamente comum que em colmeias muito grandes e populosas ocorra um processo de enxameamento, no qual uma nova rainha surge e parte para formar colmeia em um novo local, acompanhada por alguns zangões e abelhas-operárias. Durante essa migração, o enxame pode se instalar temporariamente em casas e troncos caídos, onde é possível atacarem na tentativa de proteger seu alimento e sua prole.

“Quando se fala em picada de abelha, basicamente a gente precisa pensar em dois cenários críticos: naquele em que o paciente sabe que tem alergia às ferroadas e, assim, pode ter uma reação alérgica crítica (anafilaxia); ou em que a pessoa foi picada por diversas abelhas, geralmente mais de 50, e, foi inoculada uma maior quantidade de veneno”, explica o médico emergencista Gustavo Fernandes Moreira, coordenador do Hospital de Urgências de Goiás (HUGO), em Goiânia, unidade gerida pelo Einstein Hospital Israelita.

No caso de picadas isoladas, é comum observar manifestações alérgicas localizadas na pele, em um raio de cinco centímetros de diâmetro da ferroada. A região pode apresentar vermelhidão e inchaço, além de estar sensível e dolorida. A menos que o indivíduo tenha histórico de alergia, esses quadros costumam ser tratados em casa, sem necessidade de ida a um centro médico.

Contudo, se a área de edema e a vermelhidão superar os dez centímetros de diâmetro e estiver associada a sintomas mais complexos, como dor muito intensa que não melhora com analgésicos, é recomendado buscar ajuda profissional em um departamento de emergência. Segundo os especialistas, existe risco disso ser um caso de sensibilidade ao veneno. Estima-se que cerca de 8% de toda a população mundial seja alérgica a algum tipo de veneno de abelha.

Os sintomas de anafilaxia incluem o surgimento de manchas avermelhadas e elevadas na pele fora do local próximo da picada, dificuldade para respirar, inchaço na língua, lábios, pálpebras e outras mucosas, dor abdominal forte, desmaio, diarreia e vômito. Esses efeitos podem surgir rapidamente.

Por sua vez, o envenenamento por ataque de enxame pode levar a quadros clínicos de ação mais lenta e gradual, que devem, necessariamente, serem tratados por profissionais da saúde em centros de emergência. Eles se manifestam como coceira, vermelhidão, calor generalizado, surgimento de caroços na pele, pressão baixa, taquicardia, dor de cabeça, náusea e cólica abdominal. Se não tratada corretamente, pode acarretar ainda em insuficiência respiratória, degradação do tecido muscular e lesão renal.

Prevenção aos ataques

Até a disponibilização de um antiveneno efetivo contra a picada de abelhas, a melhor forma de evitar as suas complicações é justamente evitar áreas de risco. Como a maioria dos acidentes acontece quando se encontra com um enxame, é recomendado que, caso isso ocorra, a pessoa saia rapidamente do local.

Correr em zigue-zague pode ser melhor do que correr em linha reta, já que estudos sugerem que as abelhas têm um pouco de dificuldade em fazer mudanças de direção de uma forma muito brusca. É importante saber que não é preciso correr uma distância grande, pois como as abelhas só querem proteger o seu lar, elas dificilmente vão perseguir o indivíduo por mais do que alguns metros de distância da colmeia.

Em zonas urbanas, ao avistar uma colmeia sendo formada em uma casa, deve-se acionar as autoridades municipais para lidar com o problema, como os bombeiros, o setor de zoonose e a agência de segurança sanitária. Usar inseticidas pode irritar as abelhas, assim como barulho alto e movimento perto do ninho.

Caso ocorra um acidente com os insetos, deve-se tentar manter a calma, evitar movimentos bruscos (que atraem outras abelhas para atacar) e buscar abrigo em local fechado, afastado da colmeia. Especialmente em casos de múltiplas picadas ou de reação alérgica, a recomendação é procurar atendimento médico imediato, acionando o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) pelo número 192, se necessário.

“Retirar os ferrões no primeiro minuto após as picadas pode reduzir a inoculação de veneno no corpo. Isso pode ser feito com utensílios firmes que permitam raspar a pele, como um cartão”, lembra Moreira. “Depois do primeiro minuto, boa parte do veneno presente no reservatório do ferrão já foi inoculado, então, isso deixa de ser uma prioridade.”

De qualquer forma, os ferrões serão retirados no hospital pelos médicos assim que outras situações mais urgentes forem controladas. Essa etapa é importante para evitar uma reação alérgica secundária tardia ao próprio ferrão, não mais ao veneno.

Por fim, vale destacar que a pessoa que vai socorrer alguém atacado por abelhas também deve tomar certos cuidados. “Antes de ir até a vítima, o socorrista precisa verificar se aquele momento é seguro para intervir, senão ao invés de um paciente teremos dois”, conclui o médico do Einstein.

Fonte: Agência Einstein

Foto: Reprodução

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