Um presente subordinado ao futuro. O agora é regido por cliques e “reels”, pela lógica da produtividade, em que tudo precisa ser imediato. A espera tornou-se intolerável e o silêncio, vazio. A cultura da urgência atropela o ritmo natural da existência, fazendo o tempo deixar de ser vivido em sua dimensão qualitativa e se tornar eficiência. O que se põe em questão não é apenas o modo de viver, mas a forma de experimentar o tempo, quase nunca habitando o presente.
Quando essa aceleração é imposta à infância, o cenário se agrava: crianças são convocadas a amadurecer cedo demais: Pais celebram filhos que reconhecem letras aos dois anos, valorizando a leitura precoce, como sinal de desempenho escolar; multiplicam-se agendas cheias de atividades, que sabotam o brincar livre; roupas, acessórios e conteúdos midiáticos impõe padrões adultos; influenciadores mirins transformam a rotina em mercadoria; e em casos mais graves, a erotização precoce expõe a criança a riscos. Segundo Postman (2012), esse processo de perda da infância gera a adultização.
Elkind (apud Ferreira, 2021) alerta: “Certamente, assediamos nossas crianças com algumas das exigências emocionais, intelectuais e sociais dos adultos. Reconhecemos sua condição especial ao mesmo tempo em que as pressionamos para crescer depressa.” Diante de tanta urgência, ecoa a pergunta no silêncio que grita: Essa pressa toda é para que mesmo?
A adultização antecipa papéis e responsabilidades para os quais a criança não está preparada cognitivo e emocionalmente. Quando a infância é tomada por expectativas adultas – mídia, padrões ou exigência de maturidade – o brincar cede espaço à performance. A vivência desloca-se do presente para a ótica da expectativa externa. Eis o risco central: sem brincar, a criança perde a chance de experimentar o mundo criativamente, restando-lhe a adaptação “compulsória”.
Winnicott (1971) afirma: “Brincar é essencial para o desenvolvimento do self; é o meio pelo qual a criança experimenta sua criatividade e aprende a lidar com a realidade”. O brincar, não é apenas diversão, mas possibilidade de explorar emoções, criar hipóteses e construir recursos internos para lidar com a realidade. Privar a criança do brincar ou transformá-lo em tarefa utilitária é criar um atalho para o processo de subjetivação, com impactos na formação da identidade.
O recente destaque ao tema nos convoca – famílias, escola e sociedade – a frear e traçar limites diante de tudo aquilo que insiste em antecipar experiências. Que a maturidade (adulta) esteja a serviço da preservação da infância; que os nossos investimentos se voltem para o valor da presença, do brincar e interação genuína, para que elas possam simplesmente ser, honrando o espaço estruturante do brincar e permitindo que habitem o tempo próprio da infância – o presente do tempo sem pressa.
Andrea Guedes, psicóloga e orientadora da Educação Infantil do Villa Global Education