Quem dá as cartas nas redes sociais, o que se apresenta ou o que olha? Pensando nisso, lembrei-me de uma história sobre os perigos do olhar.
Conta Heródoto que Candaules, rei da Lídia, era apaixonado pela própria mulher, mas tanto que tinha certeza de ser ela a mais bela entre todas. Era o seu olhar que a via assim, mas ao contar a Giges, seu fiel guarda-costas, da sua beleza, e ver alguma incredulidade, disse: “Os homens confiam mais nos olhos do que nos ouvidos. Vais vê-la nua.”
Giges protestou; sabia que, entre os lídios, quando uma mulher se despia da túnica à vista de outro, perdia sua honra. Mas Candaules jurou que não havia intenção indecente e, na hora de dormir, escondeu Giges no quarto. Quando ela se despiu, ele apenas a viu e foi embora. Mas ela o viu sair e compreendeu o que fizera seu marido.
Na manhã seguinte, rodeada pelos servos mais fiéis, chamou Giges e disse-lhe:
“Agora tens duas estradas diante de ti: ou matas Candaules, e então terás a mim e o reino da Lídia, ou és morto aqui mesmo, para que nenhum outro, de agora em diante, veja o que não deve.”
Giges suplicou que não o obrigasse a escolher, mas, como punindo a nudez sem permissão, ela disse que ele deveria matá-lo no mesmo lugar onde a tinha visto nua. À noite, Giges se ocultou atrás da porta com um punhal e, ao ver Candaules adormecido, o esfaqueou. Validado pelo Oráculo de Delfos, casou-se com a rainha, tornou-se rei e fundou a dinastia dos Mermnadas, que durou cinco gerações.
No mundo antigo, o olhar não era uma simples ação sensorial. Ver o que não se deve poderia ser uma transgressão. O corpo da rainha era um símbolo de domínio; vendo-o, Giges tornou-se um voyeur do poder e precisava assumi-lo ou morrer.
Ver o olhar como instrumento de poder remete ao mundo moderno dominado por redes sociais, onde os olhares alheios estão sobre nós. E não se deve pensar como Candaules, que acreditava controlar não apenas o corpo da rainha, mas também os olhares sobre ela. O olhar pode ser perigoso e irreversível, pois o que foi visto não pode ser “desvisto”.
As redes sociais atraem os olhares alheios. Elas estabelecem o reinado do “olhar do outro”, no sentido sartreano de que, quando colocamos nossas vidas nas redes sociais, deixamos de ser um “sujeito” e nos tornamos um “objeto” para o outro que nos vê. O olhar do outro torna-se preponderante nessa relação, mas nunca somos o que o outro acredita que somos.
E a ambiguidade não está apenas em quem vê, mas também em quem posta. As pessoas não postam o que realmente são, mas o que gostariam de ser; criam uma “Persona”, no sentido junguiano, uma “máscara” que o indivíduo usa para adaptar-se à sociedade.
Nas redes sociais, a falsidade está dos dois lados: no lado de quem posta, e se apresenta como um personagem, e no lado de quem olha o outro, como pensa que ele é. E assim você nunca sabe se é Candaules ou Giges.
Publicado no jornal A Tarde em 13/06/2025
(Foto: Creative Commons)