Com preços que ultrapassam R$ 12 mil e forte apelo emocional, as bonecas reborn — réplicas hiper-realistas de recém-nascidos — têm protagonizado episódios jurídicos inusitados no Brasil. Tribunais já receberam pedidos de guarda, pensão alimentícia e até regulamentação de visitas envolvendo os brinquedos. Apesar do afeto declarado, juristas alertam: hoje, a tendência da Justiça é negar pedidos desta natureza.
Para o advogado Roberto Figueiredo, especialista em Direito Civil e sócio do Pedreira Franco Advogados e Associados, é preciso muito cuidado com esse tipo de requerimento judicial: “O Direito brasileiro de hoje somente atribui direitos e obrigações às pessoas, físicas ou jurídicas, ou seja à pessoas dotadas de personalidade jurídica, que são tecnicamente chamadas de “sujeitos de direito”. Bonecas, por mais realistas ou queridas que sejam, continuam sendo “objeto do direito”, ou seja, qualificadas como bens jurídicos inanimados. Sob o ponto de vista técnico, não há como aplicar institutos como guarda, regulamentação de visita ou pensão a objetos inanimados”, explica.
O especialista aponta, no entanto, que há exceções recentes que refletem uma sensível adaptação da Justiça às transformações sociais. É o caso de decisões que passaram a reconhecer animais de estimação como sujeitos sencientes integrantes da família em disputas de separação. “O reconhecimento do vínculo afetivo com pets é algo que tem avançado na jurisprudência, especialmente quando se trata do bem-estar do animal. Mas mesmo essas decisões ainda são excepcionais e cuidadosamente fundamentadas. Equiparar uma boneca a um ser vivo seria um desvio grave”, alerta o advogado.
Roberto alerta que esse tipo de judicialização simbólica pode resultar em efeitos colaterais preocupantes. “A Justiça brasileira já lida com milhões de processos. Quando o Judiciário é acionado para decidir sobre bens que foram emocionalizados, sem respaldo legal, há um risco real de banalização do sistema. Isso pode enfraquecer a credibilidade das instituições e sobrecarregar ainda mais um aparato que precisa priorizar demandas reais.”
Narrativas digitais e simulações que confundem realidade
No ambiente digital, as bonecas reborn vêm ganhando espaço em perfis que simulam rotinas maternas, muitas vezes voltadas ao público infantil. Para a advogada Alessandra Tanure Bulhões, especialista em Direito Digital, o desafio está na forma como essas narrativas são construídas e apresentadas nas plataformas.
“Quando conteúdos ficcionais são transmitidos como experiências reais — especialmente em contextos que envolvem infância, maternidade e afeto — é preciso atenção redobrada. A fronteira entre representação e realidade deve ser clara para o público”, alerta Tanure.
Segundo ela, simulações que não são devidamente identificadas podem configurar riscos jurídicos relevantes no âmbito digital, incluindo violação de diretrizes das plataformas, desinformação e indução ao erro.
A advogada ressalta que influenciadores e criadores de conteúdo têm responsabilidade sobre o impacto das histórias que compartilham. “No Direito Digital, o que está em jogo não é apenas a mensagem, mas a forma como ela circula, quem ela atinge e com que finalidade. A monetização de conteúdos com forte carga emocional precisa ser acompanhada de transparência e responsabilidade, sobretudo quando envolve públicos mais vulneráveis.”