Nesta segunda-feira (26), a arqueóloga Jeanne Dias divulgou a identificação das primeiras ossadas do Cemitério do Campo da Pólvora, no Centro de Salvador. O anúncio foi feito durante Coletiva de Imprensa, realizada na sede do Ministério Público da Bahia, no bairro de Nazaré, em Salvador. O achado, no estacionamento do Complexo da Pupileira, confirma o local exato do antigo cemitério de escravizados, o primeiro identificado na Bahia, e pode auxiliar no aprofundamento dos estudos e reconstrução da história da sociedade brasileira, ao dar visibilidade ao sítio de grande valor histórico, arqueológico, cultural e espiritual, após cento e oitenta anos de apagamento histórico.
Emocionada com a descoberta, a arqueóloga Jeanne Dias, que coordenou o projeto Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora, conta que neste local foram sepultados os indivíduos marginalizados, entre eles, os mártires da Revolta dos Malês. Ela explica a importância da pesquisa. “Estamos muito felizes com a localização das ossadas dos remanescentes das comunidades negras, no antigo Cemitério do Campo da Pólvora. Com isso, a gente acredita que traz uma contribuição muito grande para a sociedade em geral, não só a baiana, mas a brasileira. Poder discutir, poder falar, poder debater um pouco sobre a trajetória e a vida dessas comunidades, que foram trazidas de maneira forçada da África para trabalhar no Brasil, sendo escravizadas aqui, e das outras populações marginalizadas”, destaca.
A escavação, onde antes funcionou um dos principais cemitérios públicos de Salvador, durou dez dias. A primeira intervenção no solo teve 1×3 metros de diâmetro e a, segunda, teve de 2×1 metros. Foi nesse espaço, a 2,5 metros de profundidade que os arqueólogos localizaram os primeiros vestígios ósseos, sendo ossos largos e dentes. O terreno ácido e bastante úmido deixou o material extremamente frágil e, por se tratar de um patrimônio sensível à sociedade, a equipe optou por não divulgar imagens das ossadas e realizou um tratamento para a conservação, devido ao curto prazo dado aos arqueólogos para execução da pesquisa.
O projeto Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora foi financiado pela empresa Arqueólogos (Cotias e Dias LTDA) e teve como referência a pesquisa documental realizada pela arquiteta urbanista e doutoranda em Urbanismo pela UFBA, Silvana Olivieri. O espaço, que esteve em atividade até 1844, era administrado pela Santa Casa de Misericórdia e utilizado para sepultamento ou “descarte” de pessoas que viviam à margem da sociedade, como pobres, indigentes, não-batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos, insurgentes e escravizados. Com apoio do advogado e professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Samuel Vida, foi elaborado o Dossiê Cemitério do Campo da Pólvora e encaminhado para os órgãos de proteção do Patrimônio para a obtenção de autorização para execução da pesquisa arqueológica.
O também arqueólogo, Railson Cotias, explica a complexidade e importância da execução do projeto. “Esse trabalho simboliza o respeito à memória dos indivíduos aqui enterrados e que tiveram suas verdadeiras histórias invisibilizadas por séculos. Por isso, a execução do projeto envolveu cinco arqueólogos com ampla experiência em arqueologia histórica e em metodologias específicas para contextos funerários, que se revezaram entre os trabalhos de pesquisa, montagem da estrutura, escavação e análise dos materiais coletados com o cuidado técnico necessário e reverência à memória dessas pessoas”.
Foto: Victoria Nasck/Divulgação