O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é um néscio quando se trata de economia e história. Não sabe sequer que o ataque frontal ao comércio leva à queda dos Impérios.
Quem deu início à queda do Império Romano, por exemplo, foi o imperador Diocleciano, que, para tentar resolver a crise econômica que se alastrava, fez uma radical intervenção no comércio e implementou o Édito dos Preços Máximos (301 d.C.), que fixava preços e salários para tentar conter a inflação. O efeito foi devastador: houve uma desorganização completa da economia, o comércio global foi fortemente afetado, muitos bens desapareceram do mercado e criou-se um monumental mercado negro.
O processo de degradação do Império Romano, levou ainda mais de um século, mas foi a intervenção estatal no comércio que desorganizou as cidades e fez retrair o comércio urbano e entre as províncias. O setor privado foi solapado por medidas governamentais, pela insegurança, pelas guerras internas e pela burocracia pesada, e a economia, que era urbana/comercial, passou gradualmente a ser uma economia agrária e autossuficiente. E assim chegamos ao atraso, à Idade Média, quando cada feudo produzia internamente tudo que consumia.
As tarifas impostas por Donald Trump ao comércio mundial, estão num contexto diferente do Império Romano, mas os ecos conceituais são os mesmos: intervenção abrupta e exagerada no comércio, tentando controlar a economia por decreto ou barreiras. Os efeitos são conhecidos: recessão e inflação para consumidores e empresas nos EUA, desorganização de cadeias de produção; e incerteza nos mercados globais reduzindo investimentos.
As tarifas de Trump parecem ter o objetivo de dar aos Estados Unidos uma autossuficiência forçada via barreiras à importação e tentar reduzir o déficit externo americano.
É uma bobagem, sem tamanho. Os Estados Unidos é o único país do mundo que pode se dar ao luxo de ter déficit externo, pois financia esse déficit com sua própria moeda, inclusive emitindo dólar, que é a moeda de reserva mundial. E o déficit é só na Balança Comercial, pois na Balança de Serviços os EUA têm superávit de US$ 300 bilhões, compensando parcialmente o déficit comercial. Ou seja, os americanos poderiam agir para reduzir seu déficit comercial e estimular um maior superávit em serviços sem desestruturar o comércio mundial.
É bobagem também fazer a maior potência tecnológica do planeta voltar a produzir bens intensivos de mão-de-obra que jamais serão competitivos, com o valor dos salários americanos. Os empregos no Império têm de ser criados nas áreas tecnológica e de serviços e não na indústria do passado.
E mais: supunha um país mais eficiente que todos os outros na produção de bens tecnológicos de ponta e de automóveis, com vantagens comparativas nos dois. Ainda assim, ele deve concentrar sua produção nos bens tecnológicos, onde aufere mais lucro, e comprar automóveis em países menos desenvolvidos que possuem mão-de-obra barata. Mas Trump e seus assessores não sabem quem é David Ricardo.
Atacar o comércio entre os povos, enfraquece os impérios. O império Romano caiu porque tornou-se burocrático e intervencionista; a União Soviética desmoronou porque nasceu burocrática e solapou a iniciativa privada e o comércio; Hitler não vingou, pois queria implantar a barbárie, além de colocar o comércio e a economia à serviço do fascismo e da guerra.
A China, pelo contrário, sobreviveu porque abandonou o comunismo burocrático e tornou-se uma economia inteiramente voltada para o comércio entre as nações. E a China pode tornar-se o novo Império, afinal, Trump é um néscio, não percebe que o comércio global com regras e acordos pode ser um jogo em que todos ganham. Não sabe que o pendor da humanidade para o comércio livre – ou o mais livre possível – entre os povos é, historicamente, o caminho que faz avançar a humanidade.
A INCERTEZA MORA NA CASA BRANCA
O artigo acima já estava pronto quando Donald Trump voltou atrás e pausou por 90 dias as tarifas recíprocas, acima de 10%, para dezenas de países. Mas não mudou nada, pois o recuo não tirou a incerteza no mundo dos negócios, pois, ao mesmo tempo, Trump aumentou para 125% as tarifas impostas à China. Se isso for efetivado, o mundo voltará a ter uma guerra fria, agora econômica, com países orbitando em torno dos americanos e outros dos chineses, e isso pode escalar para o lado militar. Mas não parece provável. Trump tem uma vantagem: como ele não sabe bem o que fazer com a economia, toma decisões absurdas, mas também volta atrás candidamente.
Publicado no jornal A Tarde em 10/04/2023