O ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na orla de Copacabana neste domingo (16) serviu apenas para evidenciar o ocaso político do ex-presidente e para consolidar a ascensão de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, como líder da direita no Brasil e potencial candidato à Presidência da República.
Entre os bolsonaristas, dizia-se que a manifestação levaria às ruas um milhão de pessoas, mas o que se viu foi um evento esvaziado, estimado em 30 mil participantes pelo DataFolha e em apenas 18 mil, segundo os métodos mais modernos de avaliação de multidões.
O esvaziamento do ato já era esperado, uma vez que Bolsonaro o transformou em uma manifestação de cunho pessoal, tentando pressionar o Supremo Tribunal Federal, que está prestes a torná-lo réu por tentativa de golpe de Estado.
A ideia de que a manifestação defendia a anistia dos presos pelos atos de 8 de janeiro teve pouco impacto na população, que, segundo as pesquisas, considera que os responsáveis pelos ataques, marcados por vandalismo explícito contra prédios como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, devem ser punidos. Além disso, mesmo entre antigos apoiadores de Bolsonaro, não tem sido bem visto o fato de ele estar impedindo o surgimento de um candidato da direita que não esteja inelegível, ao mesmo tempo em que age para que a escolha recaia sobre seus familiares.
A verdade é que o ato esvaziado e o discurso de Bolsonaro, quase inteiramente voltado para pressionar o STF e salvar a própria pele, evidenciaram seu ocaso político. Chegou a hora de ele aceitar que a parcela de direita do eleitorado brasileiro quer outro candidato à Presidência em 2026. Esse eleitorado parece aceitar sem problemas a presença de Bolsonaro na chapa por meio de seus familiares, mas deseja um novo nome da direita para disputar o cargo.
E esse nome já era conhecido: Tarcísio de Freitas, o governador do estado mais rico do país. No trio elétrico, ele subiu vestindo uma camisa simbólica e adotou um discurso moderado, buscando se posicionar como representante de uma direita mais equilibrada — mesmo estando ao lado de Bolsonaro.
A política não admite vácuo e, como Bolsonaro está inelegível, Tarcísio vestiu, com toda a força – ainda que diga que não é candidato –, o traje de presidenciável.
Na política, tudo é simbólico. As camisas amarelas da seleção brasileira representam o bolsonarismo radical, a extrema-direita. No entanto, Tarcísio subiu ao palanque vestindo a camisa azul da seleção, como que para demonstrar que, embora permaneça junto a Bolsonaro, é diferente dele. Tarcísio se posiciona na direita, mas em uma versão suavizada, distinta do bolsonarismo mais radical.
Mas uma roupa é apenas uma roupa. O que realmente demonstrou a ascensão de Tarcísio como potencial candidato de uma direita moderada foi seu discurso.
E ele fez um discurso de candidato à Presidência. “Ninguém aguenta mais a inflação”, afirmou, para em seguida dizer: “Nós vamos libertar o Brasil da esquerda”. E em seu pronunciamento, atacou o PT e declarou: “Os que assaltaram a Petrobras voltaram à cena do crime”.
No entanto, diferentemente de Bolsonaro, evitou ataques diretos ao Supremo Tribunal Federal, poupou o ministro Alexandre de Moraes e falou genericamente em defesa da liberdade, sem ataques individuais.
Tarcísio de Freitas representa uma direita diferente, muito mais próxima de Gilberto Kassab e do PSD do que do ex-presidente, mas precisa do que ainda resta da base bolsonarista. Por isso, equilibra-se no tênue fio que separa a extrema-direita de uma direita mais moderada.
Até o momento, a estratégia do governador de São Paulo, cujo estado responde por um terço do PIB brasileiro, tem sido bem montada, com um lema implícito: “Ter Bolsonaro, mas não ser Bolsonaro”.
Mas, como diria Garrincha, falta ainda “combinar com os russos”. Antes mesmo da morte política de Bolsonaro, a direita já se encontra dividida, e muitos disputam o posto de seu sucessor e aí basta citar, entre outros, Ronaldo Caiado, Pablo Marçal e Gustavo Lima.
Mas também é preciso lembrar que São Paulo, historicamente e politicamente, é um estado algo distante do restante do país. Ele polariza o Sul e o Sudeste, mas quantos conhecem Tarcísio de Freitas no Norte e no Nordeste?
No ato esvaziado deste domingo (16) na orla de Copacabana, Tarcísio de Freitas se posicionou como candidato e, mais que isso, como expoente de uma direita moderada. No entanto, ainda há muita água para rolar no rio da política brasileira. Especialmente se o presidente Lula for candidato à reeleição, o governador de São Paulo pode optar por não se arriscar em 2026, deixando o embate final entre esquerda e direita para 2030. (EP – 17/03/2023)
Foto: Mauro Pimentel/AFP