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JOSÉ MACIEL –  INADEQUAÇÕES NA LUTA CONTRA A INFLAÇÃO DE ALIMENTOS

Redação - 17/02/2025 04:26 - Atualizado 17/02/2025

Nos últimos dias , por conta da inflação de alimentos (que alcançou a marca  de 8,23% em 2024, ante 1,03% em 2023), várias expressões atribuídas a integrantes do governo foram ouvidas com o propósito de combater a alta   nos preços de alimentos , como “mudança no prazo de validade dos alimentos”, “intervenção nos preços dos alimentos”, “estamos buscando um conjunto de intervenções…”, dentre outras. Como era esperado, tais declarações causaram ruídos nos mercados e tiveram que ser desmentidas e descartadas diante da constatação de que não existe nada no curtíssimo prazo que possa ser feito para dar uma “paulada” nos preços do setor.

Seria relativamente fácil e mais rápido  controlar tais preços se tivéssemos uma lista pequena de alimentos que tivessem um ciclo produtivo de curtíssima duração entre plantio e colheita . Mas, o cenário é diferente. Temos uma cesta alimentar com muitos produtos, com ciclos produtivos diversos, com preços variando em graus diferentes e dependentes de um universo variado de fatores.

No horizonte inferior a um ano,  teremos a colheita nesse primeiro semestre da safra 2024-2025, e isso, aliado  à manutenção do dólar em patamar inferior a seis reais, pode ajudar nessa luta no curtíssimo prazo. Nesse primeiro semestre, o governo terá que elaborar o Plano Safra da temporada 2025-2026 e poderá adotar medidas como juros mais baixos para alimentos mais consumidos internamente e também para produtos habitualmente exportados, e disponibilizar mais recurso para o seguro rural. Será um grande desafio implementar essa e outras medidas num contexto de alta da SELIC.

Diversos fatores podem influenciar a inflação de alimentos, a exemplo de fatores climáticos e sazonais, câmbio, estoques internacionais, preços de produtos substitutos, produção agrícola e safras de países concorrentes, ciclo pecuário, produtos com alto grau de importação e largo consumo popular (caso do trigo, por exemplo), preços de combustíveis e custos de transportes, bienalidade e alternância de produção de um ano para outro (caso do café), dentre outros.

No caso atual  do café no Brasil, que ostenta a primeira colocação na lista de preferência alimentar dos consumidores nacionais, a redução da produção interna  e de países concorrentes, como Vietnâ e Indonésia, basicamente  por motivos climáticos , contribuiu consideravelmente para uma redução mundial da oferta e uma elevação significativa das cotações, com altas de 39% no mercado interno, no período recente. A laranja , fruta mais consumida no país depois da banana,  sofreu um aumento de    preços acima de  40% no ano passado. Fatores climáticos e uma doença chamada  “Greening” estão concorrendo para essa evolução dos preços .

Diante desse cenário , o que não deve e o que pode ser feito, em termos de atuação governamental?

No elenco de medidas da primeira parte da indagação acima, o governo não deve ceder à tentação de  adotar imposto de exportação,  prazo de validade dos produtos, tabelamentos e congelamentos de preços, e de implementar redes estatais de varejo de alimentos, dentre outras  ideias   que andaram circulando ou sendo especuladas nas últimas semanas. Alterações no prazo de validade dos alimentos não deve ser jamais cogitadas para alimentos perecíveis , e no universo dos não perecíveis o assunto deve ser tratado por médicos, nutricionistas e outros profissionais de áreas correlatas, e sua eventual adoção não deve contribuir para reduzir  os preços; no  máximo pode evitar algum desperdício.

No tocante ao  que pode ser feito, acreditamos que o governo federal deve apostar no próximo Plano Safra, que deverá vigorar a partir de de julho deste ano, para a safra do ciclo agrícola 2025-26.  A ideia seria adotar um horizonte maior de vigência do Plano, iniciando sinalizações na direção de um instrumento de aplicação bianual,  e privilegiando a oferta de crédito com juros mais atraentes para atividades de alto consumo no mercado interno e exportação, e elevando o montante de recursos para o seguro rural. Uma posição mais explicita no apoio de um  programa de autossuficiência na produção nacional de trigo nos parece apropriado, pois é um produto estratégico para a nossa segurança alimentar e a guerra Rússia-Ucrânia vem pondo em risco o abastecimento mundial desse cereal.

Finalmente, sem pretender esgotar o arsenal de recomendações, acelerar obras de logística de escoamento da produção e continuar algumas negociações  com o setor privado na área de abastecimento também são medidas indicadas. Por exemplo, com os altos preços do café, que devem perdurar por algum tempo ainda, aa indústrias do setor já vem pensando em  modificar os blends do produto, adicionando um percentual maior de café robusta ou conilon ao café arábica, de preço mais elevado. O governo pode estimular e reforçar o apoio a esse tipo de providência.

Em suma, lidar com altas exageradas de preços de alimentos não é tarefa fácil e de rápida resolução. Não há “cavalo de pau” possível que possa equacionar a questão no curtíssimo prazo.

 

(1)Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP.  E-mail: [email protected]

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