Getúlio Vargas costumava dizer que quando um problema era de difícil solução o melhor que se podia fazer era guardá-lo numa gaveta e esperar que o tempo o resolvesse. Durante o ano de 2024 alguns problemas foram colocados dentro de uma gaveta por serem controvertidos, por não se encontrar uma solução que viesse a agradar a todos. Comento quatro deles neste artigo.
O primeiro deles é o chamado “Vínculo de Emprego de Motoristas de Aplicativos”. A discussão sobre se motoristas de aplicativos devem ser considerados empregados das plataformas em que trabalham continua sem uma definição clara. O tema foi destacado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como uma questão de repercussão geral, mas ainda não há uma decisão final. Considero os aplicativos uma grande invenção. Criou-se uma possibilidade de uma pessoa poder usar seu automóvel, que estava parado na garagem, e utilizá-lo no transporte de pessoas na cidade, aproveitando seus tempos de folga. Ótimo para estudantes que ocupam parte de seu dia assistindo aulas, bom para profissionais que trabalham intermitentemente em alguns serviços, todos reforçando as necessidades de mobilização dos centros urbanos. É bom para os usuários que reduzem o seu custo com locomoção, bom par a administração municipal por contribuírem com a mobilidade, bom para os taxistas que não ficam parados e complementam a remuneração de suas corridas e muito fácil de ser usado. O outro lado que torna difícil encontrar uma solução é porque os governantes não podem ver uma atividade nova que não queiram cobrar impostos.
A segunda controvérsia que selecionei trata da “Legislação sobre Fake News”. O Congresso Brasileiro se omitiu em criar regras para combater notícias falsas, o que deixa a Justiça Eleitoral, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em uma posição complicada para editar normas adequadas. Essa ambiguidade legal pode afetar as eleições e a integridade do processo democrático. Toda mentira tem uma explicação para seu surgimento e o boato sempre existiu. O cancioneiro popular há muito cunhou a expressão que “todo boato tem um fundo de verdade”. O problema é que muitas vezes eles são criados para obtenção de vantagens eleitoreiras e para roubar os menos cautelosos, susceptíveis a caírem no conto do vigário, pensando que estão praticando uma esperteza. Pode até ser gerada uma bonita e criativa legislação sobre o assunto, mas o problema jamais será resolvido de forma definitiva. Não existe gavetas nem tempo suficientes que eliminem as mentiras.
Entretanto, nada é tão difícil quanto suprimir as “Controvérsias sobre o Aborto”. O Projeto de Lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação a um crime de homicídio simples ainda gera debates acalorados e divisões na sociedade, com implicações legais e morais que permanecem sem consenso. Tal problema é um dos que carrega a mais difícil solução. Existem interesses de natureza política, há valores religiosos a serem defendidos, tem conflitos nos ambientes familiares, há discussões cientificas bem fundamentadas, enfim, o que não faltam são contestações de toda ordem. Lembro-me de um delegado de polícia lá do interior que dizia: quem tiver suas filhas que as protejam, não posso me responsabilizar por todas. Esse problema dá pinta que vai continuar existindo ao longo dos tempos e nunca se vai chegar a uma unanimidade que resolva por definitivo o problema.
Por fim, cito a controvérsia do “Uso de Imagem por Atletas”. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) está discutindo controversas relacionadas ao uso indevido da imagem de jogadores, abordando questões de indenização e prescrição em ações judiciais, ainda sem uma resolução conclusiva. Considero uma questão menor, de solução não tão difícil. Contudo, não deixa de perturbar a sociedade e carece ser resolvido, não precisando de tempo longo nem de gaveta.
Essas questões estão entre as que refletem a complexidade do cenário jurídico e social no Brasil e a necessidade de um consenso mais claro para facilitar as decisões legais e políticas. O que as torna de mais difícil solução é que elas estão embutidas num cenário de ainda maior complexidade trazido pela necessidade de aumento da produção e da riqueza, eliminação da pobreza, melhor distribuição da renda, controle da inflação, limitação dos juros, proteção dos valores mobiliários e, infelizmente, enfrentamento dos problemas carreados com a roubalheira, esperteza, enriquecimento ilícito e criminalidade. Todos são problemas grandes, mas nenhum tem tanta importância quanto aos gerados por um sistema educacional deficiente.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]