A malha rodoviária baiana – ainda hoje o principal suporte logístico do Estado – não tem sido, ao longo dos últimos anos, expandida nem modernizada. Carece também de adequados cuidados de manutenção e conservação, contribuindo, desta forma, para o isolamento logístico da Bahia.
Assim, deveria ser recebida com entusiasmo a informação, divulgada pelo secretário executivo do Ministério dos Transportes, de que, finalmente, duas das mais importantes rodovias federais na Bahia estarão em um novo bloco de licitações para concessão ao setor privado: a BR-101, que atravessa longitudinalmente todo o Estado, e a BR-242, que cruza a Bahia no sentido Leste-Oeste.
Quanto às prioridades, não há dúvida. Qual não é a surpresa, contudo, ao saber-se que serão licitadas sob um novo modelo, que tem como estratégia reduzir obrigações contratuais, demandar menos investimentos e prometer um retorno mais rápido… O objetivo de tais contratos “enxutos”, cuja licitação será realizada no segundo semestre de 2025, é “possibilitar tarifas mais baratas”!!!…
Desta forma, a informação trouxe mais preocupação do que alívio.
Que o governo federal não tem recursos para investir em infraestrutura todos sabem. Mas o objetivo das parcerias de investimento é atender às demandas do desenvolvimento nacional. O valor da tarifa é resultante das diversas variáveis envolvidas nos respectivos projetos.
“O que diferencia esse leilão para o tradicional é o serviço que eu vou ter na rodovia. Quando eu faço um leilão normal, faço duplicação, muitas obras para melhorar a capacidade. Essas rodovias [em estudo] não têm a necessidade disso, não têm tráfego para exigir a duplicação, então não preciso fazer esses investimentos”, explicou o Secretário. É o que informa a matéria.
Na verdade, ao fim e ao cabo, trata-se de contratos de manutenção, que envolverão investimentos imediatos, cujo “foco será a recuperação da rodovia, com melhoria da pista e sinalização, além de eventual redesenho do traçado”.
São “estradas com fluxo menor de veículos, mas com transporte de carga relevante”. Ora, embora maior quantidade de automóveis gere maior receita em pedágio, o fato de serem rodovias que se caracterizam, predominantemente, pelo transporte de carga, exige cuidado, atenção e prioridade, por cumprirem importante função econômica.
É o caso da BR-242, que faz a ligação do Oeste baiano com o BTS-Port, o Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos. Como tratá-la como estrada de menor importância, no momento em que a Bahia está mobilizada para escoar pelos portos da BTS o algodão aqui produzido, que atualmente passeia pelo país, indo sair pelo porto de Santos, sendo a Bahia o segundo maior produtor nacional?
Já consta do PAC3 a duplicação do trecho entre Luiz Eduardo Magalhães e Barreiras, no interior do principal polo de produção do Matopiba, desprezando-se o longo caminho que os grãos percorrem para chegar ao litoral. Sem contar que a rodovia serve, também à Chapada Diamantina. Muitos trechos necessitam, pelo menos, de terceira faixa.
A BR-101 – aqui chamada Rio-Bahia litorânea – se estende de Touros, no Rio Grande do Norte, a São José do Norte, no Rio Grande do Sul, totalizando 4.824,6 km, percorrendo longitudinalmente todo o litoral brasileiro, em sentido paralelo à BR-116. Constituem, ambas, eixos principais da rede rodoviária nacional e transportam elevado volume de cargas e passageiros.
Alagoinhas, Feira de Santana (Humildes), Cruz das Almas, Santo Antonio de Jesus, Itabuna, Eunápolis e Teixeira de Freitas são algumas das mais importantes cidades baianas que estão ao longo do seu percurso.
Observe-se que, há décadas a BR-101 vem sendo duplicada. Inicialmente vista apenas como litorânea e turística é, hoje em dia, principalmente uma rodovia de cargas, e já sobrecarregada. Duplicada em praticamente todo o Nordeste, somente agora a duplicação chega à Bahia, no trecho da divisa SE-BA até Feira de Santana, ainda assim incompleta. Considerada uma rodovia perigosa, pelo seu traçado sinuoso – principalmente no Extremo Sul baiano –, continua a requerer tratamento adequado no trecho de maior tráfego, entre a divisa ES-BA e Feira de Santana.
Ainda agora a União acaba de reequacionar o contrato da concessionária do trecho da BR-101 no Espirito Santo, que se estende até Mucuri, na Bahia, município onde está a fábrica de celulose da Suzano. Só na Bahia não há necessidade de duplicação?
Neste novo modelo de concessões, as empresas não vão ter a obrigação de manter reboques e ambulâncias em caso de incidentes nas rodovias – continua a matéria. Estes custos serão repassados para os proprietários de veículos que os utilizem ou suas seguradoras.
Se o objetivo é reduzir tarifa, a forma de fazer não é enxugando os projetos, mas dando os subsídios que a União, atualmente, não tem condição de conceder. Em qualquer hipótese, está equivocada a lógica de comprometer os investimentos necessários para obter redução na tarifa. Cabe ao poder concedente fazer os estudos técnicos, indicar os investimentos necessários e, aí sim, colher a menor tarifa no momento da licitação, não como diretriz para o projeto.
O prazo de concessão também será mais curto. Menos mal. Mas nem por isto podemos nos acomodar diante de uma perspectiva tão negativa para a economia baiana.
A Bahia já viu este filme, nas concessões por menor preço do governo Dilma, e o resultado é a situação em que as BR-116/324 se encontram. Para corrigir o erro, o próprio governo está propondo indenizar a concessionária Via Bahia em quase 1 bilhão de reais, para rescindir o contrato. Vamos reincidir?
Estas tais concessões “light” – como estão sendo chamadas – são de todo inconvenientes, inadequadas e desnecessárias. Se é para colocar o Estado diante de duas novas Via Bahia – a famigerada concessionária das BR 116/324 – é preferível não fazê-las. A Bahia está traumatizada. Deve agradecer e dispensar.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.